Fugas - Viagens

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Polónia: Na terra dos mil lagos

Por Sousa Ribeiro

Na Masúria, a poucos quilómetros da fronteira com a Rússia, a água e as florestas ocupam uma região com forte tradição turística mas ignorada por muitos dos polacos.

Elas andavam numa viagem organizada e eu, como quase sempre, entregava-me a uma vida que flutuava na solidão. Em poucos dias, era a terceira vez que os nossos caminhos se encontravam, um acaso do destino — se é que ele existe. 

A primeira fora a meio de uma manhã de chuva, fraca mas persistente, sob os céus cinzentos de Wroclaw; a segunda em Poznan, ao início de uma tarde de um sol pálido; finalmente, para surpresa de todos, em Gdynia, quando afogávamos o olhar nas águas calmas do Báltico. Como quem prevê um novo reencontro, uma das espanholas, todas para lá da meia-idade, não hesitou em perguntar-me para onde os meus passos me levariam a seguir.

- Gizycko? Nunca ouvi falar. Onde fica?
Sentado no comboio que acabara de deixar, com pontualidade, a estação de Gdansk, via, com contornos pouco definidos, a minha imagem e a da jovem sentada à minha frente reflectidas no vidro da janela, sobre um fundo de cores amarelecidas que corria rápido e para o qual ela também ia lançando olhares furtivos, intercalados com outros em que se concentrava no seu telemóvel que, por qualquer razão, a fazia sorrir, um sorriso bondoso que parecia encher de brilho uma pele de uma brancura leitosa.

- Estive na Masúria uma única vez. Imagine! Não me lembro de muitos detalhes, a não ser lagos e barcos. Provavelmente, posso dizer-lhe muito mais sobre Lisboa do que sobre a Masúria. Conhece o Kamasutra, um bar no Bairro Alto?
A manhã despertou sob um céu de nuvens baixas, prometendo, lá mais para a frente, algumas horas de sol e, sentado numa esplanada, vendo o mundo passar à minha frente, recordava agora, no momento em que escutava Anna Gileta, as palavras de Ewa Serwicka, a minha companhia durante parte do trajecto que me conduzira até Gizycko, onde chegara já com a cidade mergulhada na penumbra e num profundo silêncio.

- Na verdade, a Masúria é subestimada pela maior parte dos polacos. Por essa razão, apenas uma escassa minoria sabe que muita da nossa história se esconde nos bosques dessa região, assume Anna Gileta, uma jovem estudante, natural de Gdansk.

Olho em volta e sinto-me fascinado pelas cores outonais, as folhas que começam a deixar as árvores despidas e pousam, após um voo delicado, nos passeios, formando um tapete de diferentes tonalidades.

- O único aspecto negativo é que não há, ao longo dos trilhos, muita informação. Mas, para mim, apesar de reconhecer uma certa negligência da parte das autoridades, é um lugar que realmente vale a pena descobrir, de preferência com um guia local, de forma a não perder os segredos mais bem guardados mas também porque são pessoas apaixonadas pelo seu trabalho e com uma ligação muito forte à história da Masúria. Descobri, por exemplo, que, no covil do lobo, na floresta de Gierloz, existia uma cozinha vegetariana, escondida num dos bunkers. Mas não sei se é verdade.

Anna Gileta segue o seu caminho e eu sigo o meu, que me irá levar, uns dias depois, até essa floresta tão impregnada — não pelas melhores razões — de história. Conhecido entre a população polaca como o Wilczy Szaniec, o covil do lobo é o maior dos sete quartéis-generais de Adolf Hitler espalhados pela Europa, uma extensa área onde foram erguidos dúzias de edifícios mas dos quais não restam mais do que ruínas para impressionar os turistas.

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