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De Belmonte a Castelo Novo, pelos caminhos de Portugal

Apesar de terem outra casa nos arrabaldes de Sortelha, onde governam a vida, Arminda e o marido, Manuel Fernandes, entram na contagem de habitantes intramuros. No século XVI, chegaram a morar 78 famílias na localidade de traçado medieval. Hoje, a população reduz-se a quatro pessoas. O casal sexagenário e “os senhores do Bar do Forno”. “Vão morrendo os velhotes e os novos não se governam por cá”, vaticina Arminda. Ao longo das ruas, a grande maioria dos edifícios tem as fachadas e os telhados impecavelmente recuperados, mas falta em vida o que sobra em reabilitação. Há uns anos, recorda, “foi tudo comprado por uma sociedade”. Muitas habitações continuam fechadas à espera de um bom negócio, outras são herança de família e residências de férias. “Tenho um vizinho que mora na Guarda, mas quando está stressado vem cá dormir”, ri-se Arminda.

O sossego de Sortelha pesa como o sol que arde contra o solo de pedra. Encontramos um ou outro casal de turistas entre o silêncio dos gatos vadios, mas só na penumbra do Bar Boas Vindas voltamos a encontrar gente da terra. Ana Maria Clara, 53 anos, nasceu em Sortelha e sempre viveu aqui por perto, já fora das muralhas. Trabalhou na agricultura, na restauração, nos arraiolos. No que fosse preciso “para sobreviver”. Em 1998, abriu com o marido este pequeno café com esplanada junto à Rua da Mesquita. Vêm cá todos os dias. “Tem mesmo de ser, é preciso gostar muito disto.”

Tal como Arminda, Ana Maria andou na escola primária da aldeia até à quarta classe. Mas a realidade já era muito diferente. É que quando Arminda entrou para a escola, não havia carteiras disponíveis. “Eram tantas as crianças que tínhamos de sentar-nos no chão”, recorda. As casas estavam “todas habitadas” e os miúdos corriam “descalços pelas ruas”. Quando chegava o Verão, “as pessoas sentavam-se cá fora à noite”, na soleira das portas. “E a primeira a fazer o jantar é que gastava o fósforo – as outras vizinhas levavam uma brasinha para acender o delas”, conta. Havia gente “muito pobre”, resume, mas “era lindo, isto aqui”.

Sentados à sombra da antiga casa da câmara e da cadeia — depois escola primária e hoje Junta de Freguesia —, Arminda e Manuel trabalham em equipa. Ela dá forma a cestos, caixas, candeeiros. Ele prepara “os molhinhos” com a matéria-prima para lhe dar. “Está a fazer fisioterapia”, graceja Arminda. Nunca desarma o sorriso do rosto, onde se contam mais rugas do que idade. A verdade é que “nem gramava nada disto”, confessa. Quando era mais nova, aprendeu as técnicas ao ver “as velhotas a trabalhar” ali na rua, mas ela, miúda despachada, “queria lá saber das palhas”. Até que dois AVC toldaram os movimentos de Manuel, 69 anos, e Arminda “agarrou-se a isto” do bracejo.

De manhã, trabalha na agricultura, arranja a casa. “No tempo que me sobra venho para aqui.” É uma distracção bem-vinda. Uma terapia de mãos e de espírito. Um dia, Manuel resmungou-lhe: ao fim de tantos anos de casamento, tinham dito tudo um ao outro. Agora, entretêm-se a falar com os turistas que passam pela loja de artesanato, no Largo do Pelourinho, onde vendem peças tradicionais em bracejo, bordados, bijuterias e as compotas confeccionadas pela presidente da Junta de Freguesia, Fernanda Esteves. “Ainda é prima da minha mulher”, reage Manuel quando lemos o nome escrito na etiqueta. No caminho para o castelo ou em direcção à Porta Nova, todos os turistas passam por aqui. “Durante a semana vêm menos. Esta semana só brasileiros e espanhóis.”

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