Trancoso
“Fugiu tudo para o estrangeiro”
A importância de uma fortificação também se pode avaliar pela quantidade de marcas de canteiro que se encontram inscritas na porta principal da muralha, já nos haviam dito. Revelam quantos mestres trabalharam na obra ao longo dos séculos: quanto mais marcas diferentes tiver, mais importante seria, numa escala permeável a imprecisões empíricas. Nas Portas d’El Rey, embora algumas se repitam, as marcas de canteiro sobem o arco de pedra até as perdermos de vista. Palco de várias batalhas e importante centro mercantil, cenário escolhido para o casamento de D. Dinis e D. Isabel, Trancoso é a aldeia histórica que tem o foral mais antigo, atribuído por D. Afonso Henriques no século XII. Foi elevada a cidade em 2004, um ano depois de entrar para a rede das Aldeias Históricas de Portugal. Inicialmente englobava dez localidades, mas para manter o acesso a financiamento comunitário tinha de chegar a mais população. Os centros históricos amuralhados de Trancoso e Belmonte fecharam o leque.
Vivem “cerca de 3500 pessoas” na cidade de Trancoso, aproximadamente 1500 dentro das muralhas, estima o presidente da autarquia, Amílcar Salvador. Mas a grande maioria é “gente antiga”, dizia-nos, momentos antes, Maria Celeste Santos, de 75 anos. “Havia crianças que era uma coisa doida, agora não há cá nada. Fugiu tudo para o estrangeiro”, lamentava Maria Celeste junto à Rua da Alegria, a mais florida viela de Trancoso, repleta de hortênsias ainda por desabrochar. Os quatro filhos vivem todos no concelho, netos e bisnetos também, mas há muita gente emigrada, garante.
Hoje, Trancoso é “uma terra muito sossegada”, remata Maria Celeste, debruçada no parapeito da janela. Gosta de vir para aqui enganar as horas a ver os turistas e estrangeiros passar em direcção ao castelo. Por ano, contabiliza o autarca, “mais de 20 mil pessoas” visitam a fortificação, de entrada livre. E há ainda um importante número de visitantes judeus, “entre sete a dez mil por ano”, que acorrem a Trancoso para visitar os vestígios da antiga comunidade judaica, a mais importante da região no século XVI. Já dizia Maria Celeste que “nos tempos antigos” era ali “rua de judeus”, “porta sim, porta não”. Algumas casas do centro histórico ainda conservam cruciformes gravados na fachada granítica. Marcas que, durante a Inquisição, os judeus “colocavam em frente às portas para dizerem que eram cristãos”, aponta Manuel Franco. A Casa do Gato Preto, a réplica de uma antiga sinagoga, ou o Centro de Cultura Judaica Isaac Cardoso testemunham a importância da antiga comunidade em Trancoso.
Linhares da Beira
O toque do sino na aldeia do “Totoqueijo”
Implantado sobre um maciço granítico, a 820 metros de altitude, o castelo de Linhares da Beira é dos que mais impressiona, com duas torres robustas erguidas aos céus. Uma foi torre de menagem, a outra ainda hoje dá horas à aldeia. O relógio, com um sistema construído no século XVII, é acertado uma vez por semana. A rapariga do posto de turismo sobe à torre para erguer os pesos do relógio mecânico e o tempo recomeça, marcado a toque de sino de meia em meia hora. O castelo era composto por dois recintos amuralhados, com alcáçova e estrutura militar, mas dos antigos edifícios restam apenas ruínas.