“De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta e sete maravilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas.”
Italo Calvino, As cidades Invisíveis
No Dia Internacional da Cor, que se celebra em todo o mundo a 21 de Março, a Fugas parte à descoberta de lugares que se destacam pelos seus matizes. Os destinos são múltiplos — da brancura de Udaipur e de Salzburgo ao rosa de Jaipur e Toulouse, do vermelho de Bolonha ao cinzento de Berlim, entre muitos mais. Optámos por outros, dispersos, como Jodhpur, na Índia; Petra, na Jordânia; Izamal, no México; Ljubljana, na Eslovénia, capital verde da Europa este ano. E tudo termina num mar de cores, não numa cidade, mas nas Cinque Terre, um conjunto de aldeias na Ligúria que se debruçam sobre o Mediterrâneo.
Jodhpur, Índia: O céu na terra
Quando a avisto, ainda de longe, pouco mais perscruto do que um penhasco, como se fosse uma barreira que a natureza, temendo a mão do homem, se encarregou de ali colocar. O autocarro, um idoso rangendo num queixume eterno, aproxima-se, lambe a berma sem passeio e levanta uma nuvem de pó; as mulheres, com os seus saris, como uma sinfonia de cores, cobrem a face tisnada, fustigada pelo sol inclemente. Só depois me apercebo, recortando-se contra o céu azul, subindo como quem deseja tocar a abóbada celestial, de um forte que encima um vale, talhado na rocha e provavelmente escondendo minudências de uma delicadeza que a robustez e a sobriedade do exterior não deixam adivinhar.
Cidade do majestoso Rajastão, uma toponímia que o estado herdou dos rajputs (da antiga província de Rajputana), esses temerários guerreiros que se opuseram a todos os invasores, Jodhpur, situada nos limites do deserto de Thar e abrigando perto de um milhão de habitantes, é como um céu na terra, com as suas casas da parte antiga pintadas de azul claro. A melhor perspectiva sobre esta urbe que em tempos se destacou como centro comercial, acolhendo as caravanas que viajavam entre a Ásia Central e a Índia, obtém-se desde o majestoso forte de Mehrangarth, um dos mais importantes do Rajastão e edificado no século XV sobre um precipício rochoso que se ergue a mais de 120 metros de altura — e onde agora me encontro, ao lado de um grupo de mulheres que vestem todas as cores do mundo, escutando, graças às correntes de ar, os sons indecifráveis, como murmúrios, que sobem das ruas e vielas a esta hora congestionadas.
Quando os olhos parecem cansar-se de tanto azul, andando de um lado para o outro como se presenciassem uma partida de ténis, logo se plantam numa construção magnificente, também visível desde essa espécie de varanda que é o Mehrangarth, ainda hoje gerido pelos descendentes do Marajá de Jodhpur. Se o forte, com as suas sete portas, é uma obra-prima da arquitectura, o palácio Umaid Bhawan, que avisto à distância, banhado pelos raios do sol, é um dos monumentos mais surrealistas do Rajastão, com as suas semelhanças com a Capela Sistina, no Vaticano, e a Estação Victoria, em Londres. Desenhado pelo presidente do British Royal Institute of Architects para o marajá Umaid Singh, começou a ser erguido em 1929 mas foram precisos mais 15 anos — e o esforço diário de três mil trabalhadores — para ser concluído. Umaid Singh, falecido em 1947, não chegou a desfrutar verdadeiramente da imponência da estrutura e o filho e seu sucessor, Hanwant Singh I, um apaixonado pela aviação (a quem se deve a construção do aeródromo de Johpur), também morreu pouco depois, em 1952, na sequência de um acidente aéreo com o seu próprio aeroplano, deixando para uma criança de quatro anos, Gajsingh II (herdeiro do título sob a regência de sua mãe), um imenso palácio vazio, onde continua a habitar, se bem que uma grande parte do edíficio é agora ocupada por um hotel de uma cadeia internacional.