“Os miúdos às vezes acham que [aponta para o primeiro mostruário que nos surge assim que entramos e que sustenta a existência de extintos géneros de hominídeos pela Gândara] estas coisas só existiram em África.” Mas o espaço não explora apenas o território. Também nos fala sobre o engenho de um povo que transformou um deserto numa terra habitável. “Isto”, explica-nos Brigitte, “era só areias soltas e lodo”. “E ser gandarês era por vezes sinónimo de ser pobre e rude.”
A areia ainda cá está. Mas o resto mudou. O solo foi sendo alimentado ao ponto de se proceder à florestação de uma grande área pela qual correm as águas que vão dando energia aos moinhos próximos da lagoa de Mira. Ainda hoje os moinhos se mantêm a laborar e os seus proprietários estão sempre disponíveis para receber, com uma boa dose de conversa, toda e qualquer visita.
A Rota dos Moinhos é apenas um dos cinco percursos disponíveis (há ainda a Rota dos Museus, a do Ambiente, a da Lagoa e a Rota Cultural e Geológica). Mas a verdade é que se pode perfeitamente fazer batota e interceptar umas com outras. Algo que não pode faltar é uma passagem pelo espaço da Associação dos Amigos dos Moinhos e Ambiente da Região da Gândara, no Sítio do Cartaxo, onde se pode desde relaxar numa esplanada sobre a lagoa até alugar bicicletas ou barcas. E, por falar em barcas, ao longo do Verão estão programados ocasos bem musicados com o programa Sons do Cartaxo que promete levar, numa barca, uma escolha musical bem ecléctica para o meio da tranquila lagoa.
“Somos todos da ria”
Num (pequeno) salto, passamos da serenidade da lagoa de Mira para a impetuosidade da ria de Aveiro, animada pela forte nortada que se faz sentir. O vento não amaina de forma alguma e, talvez desagradado com o nosso atrevimento em desafiá-lo, riposta sem piedade e chicoteia-nos sem dar tréguas.
“Normalmente estes passeios [de moliceiro à vela] são mais calmos”, ressalva Nelson Marnoto, 32 anos, de sorriso jovial e mãos ágeis com as cordas que vai puxando, enrolando, soltando. A traquinice espelhada na face, porém, trai-o e não demora muito até admitir que “assim é muito melhor”. E mais rápido: o trajecto, que habitualmente leva cerca de três quartos de hora, faz-se em menos de 30 minutos.
Por isso, neste dia em que o programa da regata incluía apenas um passeio de exibição, o recurso ao motor torna-se essencial em alguns pontos-chave: tanto na saída do Cais da Mota, como para conseguir desviar a embarcação de um ponto em que a areia se deixava adivinhar pelo sombreado da água.
O leito de água, que tão depressa se assemelha a um grande rio como se deixa drenar, exibindo várias ilhotas, discretas línguas de terra e uma vasta área de lodo, é uma espécie de ponto de encontro. “Somos todos muito bairristas”, admite a ilhavense Susana Esteves, enquanto nos guia entre estibordo e bombordo de forma a equilibrar o peso no moliceiro onde seguimos nesta epopeica viagem. “Mas quando chegamos à ria, tudo muda: sejamos aveirenses, ilhavenses, estarrejenses [no total há 11 municípios ligados à ria] (...). Aqui, somos todos da ria.”