Fugas - restaurantes e bares

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Como se organiza um restaurante

PEDRO LEMOS. Rua Padre Luís Cabral, 974 4150-459 Porto Tel.: 220 115 986 Encerra à segunda-feira

Os pequenos produtores: Os alfaiates da cozinha de autor
Trabalham de norte a sul do país a produzirem ingredientes peculiares e raros. São artesãos da terra que fazem produtos por medida, numa espécie de “alta-cultura” para chefs de cozinha, que os fazem desfi lar na passerelle dos seus menus.

Graça Soares - Ervas Finas, Vila Real

É quase exclusivamente com chefs criativos e de cozinha de autor que trabalha a empresa Ervas Finas. “Quase todos visitam a propriedade”, diz Graça Soares, a antiga professora que há quase dez anos se dedica por inteiro à sua paixão de sempre. O nome diz tudo. São flores comestíveis, folhas e legumes mini, frutinhos silvestres ou ervas aromáticas que cultiva numa aldeia próxima de Vila Real. E que já são indissociáveis da alta gastronomia portuguesa. Além das plantações experimentais e da miríade de plantinhas com diversos sabores, aromas e texturas, há também uma cozinha onde os seus clientes podem experimentar todos os produtos.

É nesta proximidade que assenta hoje boa parte da relação comercial com os cozinheiros mais exigentes. Sabem como trabalha empresa, aquilo que produz e o que é capaz de fazer, daí que sejam cada vez mais raros os pedidos desta ou daquela planta específica. O trabalho é mais de cooperação e complementaridade. Um chef trabalha num prato ou num novo menu e dá-o a conhecer a Graça para que ela sugira a melhor harmonização com os seus produtos.

Recentemente, Vítor Matos, do estrelado restaurante da Casa da Calçada, pediu-lhe dez coisas diferentes, que nunca tivessem sido servidas antes. Graça Soares enviou ao chef cápsulas e sementes de papoila que foram para uma entrada; oxális, uma espécie de trevo de quatro folhas, cuja pé do bolbo é carnudo e ácido; ou rábano rústico. É esta dinâmica bilateral de encontrar soluções criativas que valorizam o prato que pode fazer a diferença. Lembra-se também de um outro chef lhe ter pedido o botão floral de pimenta de Sichuan, que provoca uma sensação electrizante na língua. Não tinha, mas lá arranjou uma erva com um efeito similar.

Rui Paula, Lubomir Stanisic ou Hermínio Costa são outros chefs com quem a Ervas Finas trabalha regularmente. Mais que os minilegumes ou os frutinhos silvestres, a maior parte dos pedidos são para ervas aromáticas e flores comestíveis, pois quando o investimento é decorativo, pode ser apenas custo. Fala quem sabe!  

Adolfo Henriques - Granja dos Moinhos, Cartaxo

Adolfo Henriques é um dos grandes pioneiros da relação entre produtores e chefs. Foi há mais de 40 anos que decidiu começar a fazer em Portugal um tipo de queijo que mais ninguém fazia: o chèvre. E, curiosamente, 40 anos depois, continua a ser o único produtor de chèvre em Portugal. “Foi difícil nessa altura introduzir um queijo novo no mercado”, recorda. Adolfo já tinha apresentado o seu queijo nas mercearias, mas queria chegar aos cozinheiros. “Lia as revistas francesas e via que lá havia essa colaboração.”

Apesar de ser um “ilustre desconhecido” que fazia queijo chèvre na Maçussa, perto do Cartaxo, decidiu pegar nos queijos e ir bater à porta do restaurante que o chef Michel Costa tinha na altura no Castelo de São Jorge. Foi bem-sucedido. “Ele começou a fazer o queijo de cabra panado, com doce de framboesa, que na altura ninguém fazia, e ganhou até um prémio com isso, num concurso do jornal A Capital.” Foi o início de uma colaboração, que aconteceu mais tarde, ao longo dos anos, com muitos outros chefs portugueses, e que resultou até num livro, Pure Chèvre, editado pela Assírio & Alvim.

Adolfo recorda também que foi o primeiro a semear rúcula em Portugal, incentivado por José Miranda, do restaurante Pap’Açorda, mas diz que hoje este tipo de colaboração está mais difícil porque “os chefs são muito miúdos, e recorrem muito à Internet, com prejuízo deles, porque perdem a substância das coisas”.
(Alexandra Prado Coelho)

Jean Paul Brigand e Ann Kenny, Lugar do Olhar Feliz, Cercal do Alentejo

Quando deixaram Paris para se estabelecerem como cultivadores de citrinos ainda hesitaram entre Portugal e a Irlanda, mas escolha recaiu no Baixo Alentejo. No seu imenso jardim árabe há agora centenas de citrinos de várias partes do mundo. Jean-Paul Brigand é francês e tem nos chefs de cozinha do seu país interlocutores informados e deslumbrados com os seus produtos mas não só, pois a constelação de cozinheiros com estrelas Michelin que o procuram é ampla. Em Paris, o chef Gui Martin, do Grand Véfour, compra-lhe yuzu e o chef Brifard, do George V, aprecia muito o kumquat marumi. O biscaio Eneko Atxa, do Azurmendi (3 estrelas Michelin), é muito exigente e respeitador do produto. O cozinheiro espanhol compra-lhe cédrat da variedade “mãos de buda”, citrino que se assemelha aos dedos de uma mão.

Os elevados custos do transporte são um dos obstáculos aos produtos que saem de uma região periférica como Portugal. No entanto, alguns dos seus clientes estão por cá, como Dieter Koschina, do Vila Joya, ou Hans Neuner, do Ocean, que o desafiaram a plantar gengibre que Jean-Paul irá trazer do Japão e da Malásia. “A nossa tarefa é ir com os cozinheiros à procura do produto que eles precisam, trazê-lo para Portugal e fazer a sua aclimatação”, conta-nos, especificando que faz viagens com a sua esposa, a canadiana Ann, até ao Japão ou a outras partes da Ásia, de onde trazem plantas que são depois aclimatadas ao país.

O processo é complexo, pois implica cumprir condições fito-sanitárias, uma vez que são espécies novas no território português e por isso têm de estar isentas de vírus, “serem plantas impecáveis”, conta. O casal faz uma espécie de agricultura de joalharia, dada a raridade e a esmagadora diversidade de espécies cítricas que cultiva. Quando as encomendas são em grande escala passam a tarefa a um jovem casal português, formados por Jean-Paul e Ann, que dá sequência ao pedido num terreno na Amareleja.

Ainda assim, Jean-Paul Brigand acha que por serem um produto caro alguns citrinos terão sempre uma utilização reduzida. E recorda o primeiro pedido do chef da Fortaleza do Guincho, que haveria mais tarde de elaborar um extenso e criativo menu só com os seus citrinos. “Quando Vincent Farges nos contactou pela primeira vez, perguntou se nós tínhamos um pequeno limão para assar. Este pedido é desde logo muito elaborado, de alguém que gosta de degustar as coisas e conhece.”

A fechar, lembra que um subchef português do chef Alain Passard fez uns pastéis de nata de cédrat: “Ficaram excelentes. Ele raspou um pouco do zesto [vidrado da casca] no creme que lhes deu um toque mais frutado.” Um mundo de citrinos num jardim encantado no “Lugar do olhar feliz”.
(Fortunato da Câmara)

Maria José Macedo - Quinta do Poial, Azeitão

Um dia, Vincent Farges, da Fortaleza do Guincho, disse a Maria José Macedo, produtora da Quinta do Poial, em Azeitão, que estava cheio de saudades de feijão frageolet. “Decidi arranjar sementes e começar a fazê-lo. Ele ficou muito contente, e que eu saiba é o único que usa esse tipo de feijão. É um feijão complicado, que tem que se apanhar com o grão ainda verde.”

Mas, por muito complicado que seja, Maria José gosta destes desafios. A produtora que fornece legumes para os melhores restaurantes portugueses tem há muito uma relação de cumplicidade com os chefs com quem trabalha. Por exemplo, Tomoaki Kanazawa, do restaurante Tomo, em Lisboa, para o qual faz produtos especiais, como o wasabi folha ou a mioga japonesa. “Estou sempre a pesquisar”, conta Maria José, “e uma das coisas que me dá mais prazer é propor aos chefs coisas que eles não conhecem.” Às vezes não resulta à primeira. Há uns vinte anos, decidiu semear uma planta com aroma a menta e a bergamota, que tinha visto em França e a que tinha achado piada. “Quando a propus aos chefs, nenhum achou interessante. Há dois anos encontrei um pezinho, pus em reprodução, e agora há vários interessados.”

Os chefs foram evoluindo também graças ao trabalho de Maria José no Poial. “Quando comecei, em Portugal não se usava quase nada, com excepção da salsa, coentros ou hortelã. A primeira vez que apresentei aneto, tive chefs a dizerem-me que quando viam aneto numa receita substituíam por salsa”, conta. Hoje é muito diferente, claro, mas Maria José continua a gostar de arriscar. “Tudo o que experimento de novo é um risco, não sei se vai agradar ou não, mas eu gosto disso.”
(Alexandra Prado Coelho)

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