O serviço de sala: Entre, por favor, está em sua casa
Hoje, o chefe de sala já não arranja o prato em frente ao cliente, mas tem que explicar complicados menus. Retratos de anfitriões com estilos muito diferentes.
Fala-se muito do trabalho dos chefs, mas quem frequenta restaurantes sabe que um mau serviço de sala pode estragar uma refeição. Ficarmos a agitar os braços e a esticar o pescoço tentando desesperadamente chamar a atenção de um empregado, fazermos perguntas que ficam sem resposta, termos que ouvir comentários ou longas explicações de pratos, vermos chegar à mesa um prato que não pedimos — tudo isto pode fazer-nos esquecer a qualidade da comida.
Há muitas formas de receber num restaurante, das mais formais às mais informais. Fomos falar com chefes de sala e anfitriões de restaurantes em Portugal. Não há fórmula perfeita. Com um estilo ou outro, o segredo é conseguir que as pessoas se sintam em casa. E como se faz isso?
José Nobre, o anfitrião
Era o dia da inauguração do restaurante 33. José Nobre tinha repetido várias vezes ao patrão que era um risco pô-lo a ele a dirigir a sala e à mulher, Justa, a dirigir a cozinha. Embora Justa sempre tivesse cozinhado muito bem, nenhum dos dois tinha experiência para uma empreitada daquelas. “Às 12h15 fui à cozinha ter com a Justa, às 12h35 voltei e tinha a sala cheia. Pensei: ‘Fujo ou fico aqui? O que vou fazer à vida?’. Comecei a dar as cartas às pessoas, começou a vir a comida da cozinha, e foi assim.”
Hoje, José Nobre pode rir-se ao contar esta história, mas na altura não só não tinha vontade de rir como sabia que aquele era “o grande teste” para ele e para Justa. Passadas várias décadas, o casal já abriu vários restaurantes em Lisboa e arredores, e tem hoje o Nobre do Campo Pequeno e o Nobre do Casino do Estoril.
“A maior parte das vezes passeio as cartas debaixo do braço”, conta. “O cliente nem as quer ver. ‘Nobre, o que é que vou comer hoje?’ E eu digo ‘Vai comer a sopa de santola, que é o emblema da casa’. E entretanto já vi com a Justa o que vou recomendar nesse dia. À noite há sempre um prato que não vem na carta. E as pessoas dizem ‘Se a chef recomenda, é isso que eu quero.” O trabalho é feito em conjunto. “Falo com a Justa sobre gastronomia, lemos muito, vemos programas na televisão, depois ela puxa pela cabeça e imagina o prato.”
Há muito que são uma dupla. Desde esse final dos anos 1970 em que o chefe de José no escritório onde trabalhava decidiu apostar neles para o restaurante que planeava abrir. O chefe sabia que a única coisa que o casal precisava era de algum treino. Por isso, durante um mês organizou na sua própria casa jantares, com Justa na cozinha e Nobre na sala.
“Fazíamos tudo a rigor, luva branca, sabíamos quem era o primeiro a ser servido, quando havia o clero na sala era sempre o primeiro. A gente ia de volta com as travessas e as pessoas serviam-se”, recorda Nobre. Depois, já no restaurante, mantiveram o serviço “com todos os requintes”: mão atrás das costas, servir sempre primeiro as senhoras, depois os convidados, depois quem tinha convidado.
“Há uns anos, havia casas que se diferenciavam pelo serviço. Um restaurante de luxo, por exemplo, tinha director de sala, chefe de sala, escanção, ajudante de escanção, chefe de turno e commis para servir um cliente. O custo com o serviço de sala era enorme, mas havia mercado para isso.”
Perderam-se alguns destes hábitos, mas no Nobre permanece um princípio: “Recebemos as pessoas como se estivéssemos na nossa casa.” Justa na cozinha, José na sala — como fazem desde aquele primeiro dia, há muitos anos, em que o 33 se encheu de gente e José decidiu não fugir. O chefe que apostou neles tinha razão.