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Como se organiza um restaurante

Por Fortunato da Câmara

À partida a palavra menu não faz sentido ligada com engenharia, mas dentro de um restaurante têm um casamento perfeito. Um bom ambiente decorativo e uma experiência de cozinha à altura fazem uma parceria memorável e rentável.

"Digo sempre que o mais importante é a comida, a seguir é o serviço porque a pessoa gosta de ir a um restaurante para ser servido, e a seguir é o enquadramento, porque é melhor estar num sítio mais simpático do que num estaminézinho que tem menos conforto do que estar em casa”, refere o prestigiado designer de interiores Miguel Câncio Martins acerca da forma como vê um bom restaurante. No entanto, complementa o seu raciocínio dizendo que o que fideliza um cliente é isto tudo, mas ao contrário. “Quando uma pessoa entra num restaurante, o que vê não é a comida nem o serviço, é a decoração; a segunda coisa que vê é o serviço, como é atendida, como é recebida, como é sentada na mesa. A última coisa que vê é a comida.” Ou seja, a decoração ajuda a “vender” o espaço para que seja escolhido na hora de se ir jantar fora. O designer português que tem o seu atelier em Paris fala com a experiência de quem tem um portefólio com dezenas de realizações em várias partes do mundo desde Singapura a Nova Iorque, passando por Lisboa, com obras como o Hotel Heritage (Avenida da Liberdade) ou o restaurante Largo (Chiado).

Fundamental é definir a ementa que se vai propor ao cliente, tarefa que Rodolfo Tristão, coordenador do Curso de Especialização Tecnológica em restauração na Escola Superior de Hotelaria do Estoril, ajuda os alunos a fazerem. Nas designações dos pratos, acha que deve haver uma explicação breve para não criar falsas ilusões e aponta um lado útil: “Pode facilitar o serviço, pois se for um restaurante com muita ocupação os empregados não vão ter tempo de ir a cada mesa explicar os pratos.” Mostra-se crítico das designações que se apropriam de nomes tradicionais como chamar “à Brás de...” a um prato para se colar à ideia do “bacalhau à Brás”, ou darem-se nomes pomposos como “magret de pato” em vez de “peito de pato”, quando a palavra magret só deve ser usada se esse peito tiver origem num animal criado para produzir foie gras e não num pato comum. A propósito de foie gras, Rodolfo faz uma observação curiosa acerca do prazer que os portugueses têm em comer. “Vamos ao restaurante para socializar, mas não sabemos necessariamente comer, pois às vezes temos sabores adquiridos e depois quando aparece uma versão mais realista do produto rejeitamos.” E exemplifica com o foie gras: “Há muita gente que pede, mas quando vem mesmo o verdadeiro foie gras em escalope as pessoas ficam surpreendidas, pois estão habituadas a que seja patê e não uma fatia de fígado inteira.”

A indefinição da carta é um obstáculo, seja para um consultor em enogastronomia como Rodolfo Tristão ou para um decorador como Miguel Câncio, que fica apreensivo quando lhe dizem “Ainda não sei o que é que vou fazer de comida, mas quero um restaurante giríssimo”. O designer diz que há sempre soluções, embora prefira ter uma ideia com força e alma e um fio condutor que lhe permita trabalhar três factores. O tipo de cozinha, e dá o exemplo do novo restaurante de Alain Ducasse, em Paris, que não tem carne no menu, o público que se quer atingir e a adequação da decoração ao espaço. Para Rodolfo Tristão, a construção de uma ementa deve ser idealizada para tornar o restaurante viável sem defraudar as expectativas dos clientes. “O ideal do food-cost [custo real de cada prato] é que o valor não exceda 33% do custo que um prato tem na carta, e da restante margem tiram-se os gastos com o pessoal, as rendas, e o lucro.” E dá o exemplo dos pratos de caça, que trazem prestígio a uma carta mas são pouco rentáveis, pois implicam ter boas matérias-primas e muita mão-de-obra nas horas de preparação, ao contrário do que acontece com as massas, os hambúrgueres, as entradas ou as sobremesas.

Pormenores diferenciadores

Depois há pequenos detalhes na hora imprimir a carta a que se chama “engenharia do menu”, que ajudam o restaurante a vender melhor os pratos, e que Rodolfo nos desvenda. “Põe-se em cima, do lado direito da folha, aquilo para que se quer chamar a atenção nos pratos de carne ou de peixe. Não se deve ter preços redondos, tipo 16 euros, se podemos colocar 15,60. Em vez de se alinharem os preços todos numa coluna colocam-se logo a seguir ao nome prato, ou centra-se o texto da lista com o preço por baixo”. São pormenores, que podem ser seguidos ou não, mas que fazem a diferença na forma como o cliente escolhe. Passar a pente fino as ementas para que não haja erros ortográficos e escolher um tipo de letra simples que seja legível no local menos iluminado da sala são outras dicas a reter.

O consultor tem a convicção de que, com uma ementa curta de produtos frescos, comprando peças de carne ou peixe inteiras para utilizar os diversos “cortes” em vários pratos, ter acompanhamentos variados e equipamentos como um forno convector, uma máquina de vácuo ou um abatedor de temperatura, são decisões que ajudam a ter um restaurante funcional para o dia-a-dia, que satisfaça os clientes e tenha lucro. No caso da chamada alta cozinha, esse lucro é menor devido à qualidade dos produtos usados e à mão-de-obra envolvida.

Os factores que determinam o sucesso de um restaurante são inúmeros, no entanto Miguel Câncio dúvida da longevidade de projectos pouco pensado em termos de cozinha: “Acho que raramente, só com muita sorte, é que se aguentam.” Brevemente Rodolfo Tristão irá estar como escanção e chefe de sala de um novo restaurante no Chiado e deixa uma reflexão para que se superem as falhas de qualidade do serviço em Portugal. “Um empregado de mesa tem de ser visto como um vendedor qualificado e não como um criado.”
(Fortunato da Câmara)

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