A história foi contada à Fugas por Leonel Pereira durante uma passagem por Lisboa, onde participou no júri do Concurso do Chefe Cozinheiro do Ano, dois dias depois de ter recebido a notícia de que o seu restaurante, o São Gabriel, em Almancil, Algarve, reconquistara a estrela Michelin perdida no ano passado.
E é uma história exemplar do método de trabalho do chef algarvio. Em primeiro lugar, pela relação com a equipa, com a qual trabalha numa colaboração muito próxima, em segundo pela vontade de experimentar e jogar com sabores inesperados, e em terceiro pela coragem de arriscar apresentar aos clientes pratos menos óbvios. Foi esta a filosofia que trouxe para o São Gabriel quando chegou, há dois anos, vindo do lisboeta Panorama, no Hotel Sheraton.
O São Gabriel (restaurante que já existia há muitos anos mas que acabara de mudar de proprietário) foi uma oportunidade única que entrou na vida de Leonel Pereira — e ele agarrou-a decidido a dar tudo de si. “Quando eu estava no meu projecto anterior e as pessoas diziam que gostavam do meu trabalho e que me achavam merecedor disto ou daquilo, eu agradecia mas pensava para com os meus botões ‘Eu posso dar mais, mas como é que provo que posso dar mais?’. Era uma mágoa que vivia comigo”, confessa.
Por isso, no primeiro ano, 2013, o projecto do São Gabriel passou sobretudo por “tentar encontrar uma identidade” que procurava há alguns anos, libertar-se “dos fantasmas” para se encontrar, “para encontrar aquilo com que sonhava”. Começou com algumas cautelas, avaliando as reacções e medindo o grau de satisfação dos clientes. E percebeu que este era muito elevado e que todos saíam com vontade de voltar. “Isso deu-me força para ter em 2014 uma liberdade maior na minha comida, uma autenticidade muito maior.”
O São Gabriel encerra durante os meses de Inverno (neste momento está encerrado, reabrindo no dia 1 de Março), e no final de 2013 chegou a má notícia, que surpreendeu todos os que acompanhavam o trabalho de Leonel Pereira: o guia Michelin tirava a estrela ao restaurante de Almancil. Veio depois a perceber-se que isso acontece quando um restaurante muda de chef e de proprietário o que, para os inspectores da Michelin, é revelador de uma instabilidade que o guia não aprecia.
Cozinheiro, chef não
Hoje, Leonel encara a perda da estrela até de uma forma positiva. “Foi o melhor que nos podia ter acontecido”, diz. “Eu não me identificava com uma estrela que não tinha sido ganha por mim. E mesmo sabendo que não foi pelo meu trabalho que a perdemos, porque estou absolutamente certo que em 2013 não tive visitas do guia, houve uma revolta, porque a equipa ficou triste.” Reuniu-se com os seus colaboradores para discutirem o assunto. “Demos a cara pelo que tinha acontecido, não nos justificámos a ninguém, e eu, que queria dar-lhes força, vi que tinha uma equipa pronta a dar-me força a mim: ‘Chef, vamos vencer, vamos provar que somos melhores’. Foi bom ouvir isso.”
Recuperar a estrela este ano “foi o melhor presente que lhes podia dar”. Mas, garante, não estava à espera que acontecesse tão cedo. “Vou ser sincero: tinha esperança de ganhar a estrela em 2015. Se isso não acontecesse ia ficar muito triste, com uma mágoa profunda. O plano, muito duro, que fiz para o próximo ano englobava a ideia de conseguirmos de volta a estrela. Até pelo investimento do patrão, que inicialmente foi de três milhões de euros, mais 150 mil no ano passado, o que nos dias de hoje não é fácil.”