“A ideia é que os clientes possam desfrutar mais da casa e virem a qualquer hora e sem compromisso específico. Seja para almoço ou jantar, seja só para um petisco, degustar um vinho ou simplesmente conviver com amigos. É para eles que a casa deve funcionar”, explica Pedro Lemos, enquanto mostra com evidente orgulho as obras que já decorrem para a instalação de uma horta orgânica — no terraço ao lado da esplanada do primeiro piso e de onde espera vir a colher todos os ingredientes para um prato muito especial. “É isto. Estava já tudo previsto e nada se vai alterar. Nem os preços!”
E isto mesmo que as reservas cheguem agora a todo o momento e as marcações se comecem a alongar no tempo. Até no bar da Baixa, o Stash, que o chef e a mulher abriram precisamente no dia em que foi anunciada a estrela Michelin, a procura tem sido intensa. Com casa cheia a toda a hora e uma enorme curiosidade e expectativa.
Manter estilo e conceito
Apesar do firme propósito de manter o rumo, o estilo e a filosofia do conceito de casa e de cozinha, Pedro Lemos reconhece que há agora uma maior receptividade e expectativa, à qual é preciso corresponder. O fundamental é manter o critério e qualidade na escolha dos produtos, criatividade, técnica e sofisticação na elaboração dos pratos, e a expressão da cultura e sabores tradicionais naquilo que leva à mesa.
É por tudo isto que quando lhe pedimos que escolha o prato com que mais se identifique, que melhor expresse o seu estilo de cozinha, logo aponta peixe do nosso mar na companhia de produtos e cozinhados dos mais populares da nossa cultura culinária. Tudo simples e natural, o que, como é sabido, é sempre o mais difícil e exigente.
“Salmonete, choco, tomate, ervilhas e molho de assado”, assim se chama o prato no qual combina a delicadeza do peixe fresco, os produtos da horta, os aromas da grelha e os sabores complexos do guisado, que bem sintetizam a nossa cultura gastronómica. Tudo da forma mais simples e linear, para um resultado de grande elegância e ao mesmo tempo complexo e sofisticado.
Além da técnica e conhecimento, é nos pormenores que está toda a diferença. O cozinheiro explica que o salmonete tem que ser pescado à linha: “O de arrasto tem o mesmo sabor, mas como o peixe leva um bocado de pancada os aspecto já não é o mesmo.” Depois há o choco, cuja tinta dá o toque iodado e de maresia, sendo preparado em duas texturas. Num guisadinho, com tomate e ervilhas, que é a técnica mais básica e comum da nossa gastronomia, e também grelhado, que é a forma mais comum e tradicional de se consumir o peixe fresco. Há também o molho do assado, uma mini quenelle de puré de azeitonas verdes e umas pontinhas de salicórnia, os espargos do mar e raspas de limão, que acentuam a frescura e acidez. À finesse e delicadeza da conjugação de sabores e texturas, Pedro Lemos associa um apurado sentido estético, que torna o prato insinuante, leve e agradável à vista. E é sabido que o olhos também comem.
E porquê este prato? “Junta o guisadinho, com alho, cebola e o tomate, que é a base da nossa culinária. Também o peixe fresco único da nossa costa e os aromas e sensações do calor e carvão, que é como os portugueses mais gostam de consumir o peixe”, sustenta Pedro Lemos, explicando ainda que a forma como é tostada a pele do salmonete proporciona a sensação do assado, as ervilhas conferem a componente de textura e alguma doçura, e a salicórnia, as azeitonas e o limão a componente de frescura e acidez. “Com a tinta do choco é como colocar o animal no seu habitat”, conclui o chef, referindo também que esta “é uma criação que está ainda em evolução” e, por isso, revela também o seu estilo e concepção de cozinha.