A ideia da pinha pode até parecer uma influência nórdica, mas neste caso é mesmo “100% português”, explica. “Para mim, é a combinação do mar com o pinhal, muitas praias portuguesas estão ao pé do pinhal, estamos a olhar para o mar e temos aquele cheiro das pinhas, da resina.” Como acontece em pratos anteriores da sua autoria, também este nasce de uma paisagem. “As pessoas comem-no e sentem-se completamente em casa, são sabores que conhecem.” E, afinal, não é assim tão distante da própria cozinha portuguesa. “Há receitas tradicionais em que se faz uma marinada com cabrito e se põem lá dentro pinhas, para dar aquela profundidade do aroma do mato.”
Há uns tempos, noutra conversa com a Fugas, Avillez tinha falado das viagens dos portugueses pelo mundo e da forma como esse cruzamento de culturas e comidas podia influenciar a cozinha contemporânea. Sorri quando recorda essa conversa. “Ultimamente, comecei a olhar cada vez mais para dentro [do país] e a perceber que há tanto, tanto para fazer.” Esteve, por exemplo, uma semana e meia no Algarve, e imediatamente surgiram novas ideias ligadas aos sabores e produtos algarvios, como o xarém. Perguntam-lhe muitas vezes em entrevistas de onde vêm essas ideias, e ele tem cada vez mais dificuldade em explicar. “Às vezes, há uns momentos quase transcendentes em que surge uma ideia.
Quando estou assim em modo de criatividade começo a sentir-me um super-homem”, afirma, com uma gargalhada. Aconteceu por exemplo com o prato que nos descreve em seguida.
Puxar pelo país
“Estou fora do restaurante, penso neste prato, ligo ao David e digo-lhe para experimentar. São lagostins salteados com tutano emulsionado com óleo de noz, tendão de vitela e espargos brancos. O prato ficou 95% afinado ao telefone, depois quando cheguei decidi apenas cortar os espargos de outra maneira. É dos pratos com que as pessoas mais se maravilham. E nasceu, nem sei explicar como.”
Esta tendência de cozinha muito centrada no sabor tem vindo a acentuar-se e terá havido um prato marcante nesse processo: a sua versão do cozido à portuguesa. “É talvez o primeiro desta nova linha, que tinha aparecido isolado, e depois construímos à volta dele uma família de outros pratos.”
Essencial para esta exploração de sabores — da qual as técnicas de vanguarda não estão ausentes, mas que tem uma grande base de técnicas clássicas — são os caldos. “Hoje em dia temos três ou quatro caldos de preparação base que são muito importantes. Um é o caldo de rancho, como lhe chamamos. Estava no Algarve e escrevi no telefone ‘Dez quilos de mãozinhas de vitela, dois frangos, um quilo de grão, cebolas, alhos, chouriço’, já nem sei bem, mas sei que cheguei cá e disse ‘Vamos experimentar este caldo’. Usamos desde a água de cozer os percebes à dos caracóis, ou das caras de bacalhau, temos uns caldos mais neutros, para servirem de base, outros com mais sabor. Fizemos, por exemplo, um gaspacho de lavagante com a água do mexilhão, que tinha sabor a mar. Há aqui um trabalho de ir buscar a base e perceber que o sabor não se consegue assim simplesmente, que é mais complexo. Claro que se eu tiver um tomate bom e lhe puser um bocadinho de sal, o sabor está lá. Mas na alta cozinha não chega, temos que ir procurar a essência disso.”