Fugas - Viagens

Enrique Marcarian/Reuters

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Viagem à volta dos mundos dos livros de viagens

Nos últimos dois séculos, a literatura de viagens, de matriz predominantemente anglo-saxónica produziu os seus nomes e obras mais conhecidos e atraiu escritores de outros campos. O explorador Richard Burton, no século XIX, tornou-se o protótipo do escritor-aventureiro, uma personagem "bigger than life" que esteve em todo lado. E escreveu sobre tudo: da Goa portuguesa ao Brasil, cruzando África e Ásia e tendo ainda tempo para traduzir Lusíadas.

Henry M. Stanley ficou conhecido pelo seu Doctor Livingstone, I presume, mas a sua viagem pela África central continua um clássico ("Através do Continente Negro"). Mais tarde vieram, por exemplo, Wilfred Thesiger ("Pelo deserto das Arábias") e Robert Byron, cuja obra "Estrada para Oxiana", narrativa que acompanha dez meses de viagem pela Pérsia (Irão) e Afeganistão, é muitas vezes apontada como o melhor exemplar de literatura de viagens do século XX.

Bruce Chatwin permanece um dos nomes mais reconhecíveis na genealogia da literatura de viagens (e até de uma certa "filosofia" nómada, da solidão) e tem o seu nome intimamente ligado à Patagónia (mas viajou também, por exemplo, pela Austrália, com os aborígenes, em "Canto Nómada", por África, Benim e Togo, para escrever "The viceroy of Ouidah"), pelas obras "Na Patagónia" e "Regresso à Patagónia", este a meias com Paul Theroux, que anos antes tinha apanhado "O Velho Expresso da Patagónia" (a obsessão ferroviária já vinha de trás: "The Great Railway Bazaar" viajou pela Europa, Médio Oriente e Ásia) e depois fez a "Viagem Por África", unindo Cairo e Cidade do Cabo.

Escritores de outros géneros escreveram "narrativas de viagens" John Steinbeck descobriu a América de autocaravana, na companhia de Charley, o seu cão ("Travels with Charley"), Edith Wharton vai do Atlântico ao Atlas "Em Marrocos", Somerset Maugham não larga a China ("On a Chinese Screen" é mesmo não ficção, retalhos da vida chinesa no início do séc. XX) e André Gide viajou até ao Congo ("Viagem ao Congo").

Mark Twain veio à Europa, com passagem pelos Açores ("Innocents Abroad" - "A Viagem dos Inocentes ou A Nova Rota dos Peregrinos"), Agatha Christie viaja pela Síria ("Come Tell Me How You Live" - "Síria") e Saul Bellow foi a Jerusalém e voltou ("To Jerusalem and back" - "Jerusalém, Ida e Volta"); três títulos disponíveis em português, na colecção da Tinta-da-China. E se fugirmos à literatura estritamente de viagens, não conseguimos esquecer o Congo de "Coração das Trevas" de Joseph Conrad, do mesmo modo que o México deixa uma impressão indelével em "Debaixo do Vulcão" (Malcolm Lowry).

Numa altura em que prevalece a sensação inequívoca de que, em termos geográficos, não há nada de novo a representar, a literatura de viagens tem-se vindo a reinventar, debruçando-se cada vez mais no próprio escritor e esforçando-se por dar uma nova perspectiva, um olhar diferente sobre o supostamente conhecido e também sobre "o outro", que continua ser "o oxigénio da literatura de viagens". E a viagem permanece omnipresente na literatura. Como forma de transcender o quotidiano e conhecer outras realidades ou regressar ao passado. E se calhar de responder às perguntas que Jan Morris coloca em "Trieste and The Meaning of Nowhere": "O que estou aqui a fazer? Para onde vou?".

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