É verdade que há quem chegue a Lisboa com o "Livro do Desassossego" debaixo do braço, da mesma forma que em Istambul entram pela mão de Orhan Pamuk, se perdem nas ruas do Cairo com Naguib Mahfouz ou descobrem a Nova Iorque de Paul Auster. Mário Matos refere-se a esse fenómeno como o "uso individual e eclético" que cada turista faz do arquivo colectivo da história da literatura o roteiro é o turista que o faz de acordo com a sua sensibilidade. Mas não é menos verdade que há "pacotes" prontos. O turista em Lisboa pode não ter qualquer ligação especial com a obra de Fernando Pessoa, mas pode viajar com um computador portátil em cujo ecrã passa o DVD, recentemente editado, do "Lisbon Guide by Fernando Pessoa: What the Tourist Should See".
Este é um novo "fenómeno editorial", em que "os guias turísticos propõem ao viajante explorar certa cidade, região ou país ‘nos trilhos' de determinado autor", explica Mário Matos, com a passagem (quase) obrigatória pelas casas-museus dedicadas aos autores que tem proliferado um pouco por todo o lado. Isto vem juntar-se ao "marketing cultural" que começa a ser desenvolvido pelas entidades a um nível local, regional ou mesmo nacional, onde as referências literárias de cada um são promovidas, por exemplo, de forma mais ou menos explícita, nas brochuras turísticas.
O resultado é que Paris nunca mais voltou a ser a mesma depois de "O Código Da Vinci" e, em Inglaterra, a saga Harry Potter é cartaz turístico nacional ambos os casos ampliados devidamente pela passagem ao grande ecrã das obras. Nas livrarias abundam obras de "índole turístico-poética" que sugerem ao viajante conhecer a Praga de Kafka, a Dublin de Joyce, a Paris de Baudelaire, de Proust, da "geração perdida", a Barcelona de Carlos Ruiz Zafón, a Grã-Bretanha de Agatha Christie, a Tânger de Paul Bowles, ou a perseguir as paisagens do sonhador (e fictício) Dom Quixote ou a árida Patagónia descrita por Bruce Chatwin e Paul Theroux. E assim se transformam certos locais e percursos em ícones literários e turísticos.
Os portugueses de olhos postos no além-mar
A literatura de viagens portuguesa não é abundante, mas encontra-se inextrincavelmente ligada ao percurso enquanto nação. Podemos começar na nossa mais celebrada obra literária: em "Os Lusíadas" respiramos como nação em expansão e nessa expansão viajamos pelo mundo por África até ao Oriente do nosso contentamento. Antes, Pero Vaz de Caminha tinha-nos dado a carta do descobrimento do Brasil; depois dele, uma série de autores, deixou-nos a nossa História em literatura de viagens.
Fernão Mendes Pinto é um "gigante" e a "História Trágico Marítima", de João Carvalho Mascarenhas, incontornável. Olhámos para a China com "As Doze Excelências da China", de Gabriel de Magalhães, e continuamos a chegar à Índia com "Relação da Viagem de Vasco da Gama", de Álvaro Velho. No século XIX, perdemo-nos para "África de Angola à Contra-Costa", de Hermenegildo Capelo e Roberto Ivens, chega em 1886 (e mais de um século após, Pedro Rosa Mendes segue-lhe os passos com "A Baía dos Tigres"), e antes já tínhamos ido "De Benguela às Terras de Laca" mantendo os olhos no Oriente. Na Índia permanecemos com "Os Brahamanes", de Francisco Luís Gomes (1866). Camilo Pessanha não saiu de Macau enquanto Wenceslau de Moraes se perdeu no império nipónico. Entretanto, Eça de Queirós vai ao Egipto e as suas imagens ficam registadas em "O Egipto", que só seria publicado em 1926.