A América do Sul é a geografia onde tudo é permitido mas é sobretudo a Patagónia, onde Chatwin e Theroux, nunca estão sós (Luís Sepúlveda também já se apoderou do imaginário local, com "Patagónia Express"). Na América do Norte, Nova Iorque é o farol do mundo, para o qual várias portas se abrem, pela mão de escritores tão distintos quanto Enric Gonzalés ("Historias de Nueva York") ou Brendan Behan ("Nova Iorque").
O Mediterrâneo tem sido a coutada do francês Daniel Rondeau, que tem percorrido algumas das suas cidades mais emblemáticas como Tânger ("Tânger e outros Marrocos"), Istambul, Alexandria ("Alexandria, Uma Narrativa", por exemplo) e Cartago.
E a Europa não fica de fora. Paris continua uma festa, e Julian Green ("Paris") e Edmund White ("Paris, Os Passeios de um Flâneur"), por exemplo, comprovam-no; Veneza segue fora do tempo mas dentro dos livros (e Paul Morand descobre-lhe várias caras em "Venises"). Barcelona é "a grande feiticeira" de Robert Hughes ("Barcelona: the Great Enchantress"), a cidade à qual Colm Tóibín presta homenagem ("Homage to Barcelona"). E para um mergulho na história, Rebecca West não nos deixa esquecer que houve um país chamado Jugoslávia ("Black Lamb and Grey Falcon").
(Faça-se aqui um parênteses, para falar das geografias dos escritores que se tornam dos leitores: Mark Twain continua no Mississipi, Dostoievski deambula por São Peterburgo, Marguerite Duras não regressou da Indochina, William Faulkner é o Sul dos EUA, a Londres de Dickens não se desvaneceu, as irmãs Brontë vivem nas charnecas do Yorkshire, Jorge Amado ainda cheira cravo e canela em Ilhéus, Thomas Mann permanece na "Montanha Mágica", ali pela Europa Central, e E. M. Forster ainda viaja pela Itália.).
Mas, voltando estritamente à literatura de viagens, é inevitável constatar que, com a massificação do turismo e com o "conhecimento" do mundo inteiro, esta se reinventou, propondo aos leitores novas formas de viajar e de percepção do outro que se dissolve no próprio autor. O alemão Lorenz Schröter publicou, em 2002, um relato muito particular do seu périplo alemão montado num burro, enquanto Julio Cortázar e Alain de Botton, respectivamente com "Los Autonautas de la Cosmopista. Un Viaje Atemporal Paris-Marsella "e, mais recente, "A Week at the Airport. A Heathrow Diary", se debruçaram sobre a exploração estética do que Marc Augé chama de "não-lugares" "os lugares de passagem sem significação própria e identidade diferenciada, lugares de trânsito e transitórios que se assemelham entre si em todo o mundo". E aqui entram, por exemplo, estações de comboio, aeroportos ou estações de serviço nas auto-estradas.
Crónica de um futuro anunciado na era do turista repórter
No início do século XIX, houve uma mudança de paradigma na literatura de viagens, com a revolução nos transportes; agora, dois séculos depois, talvez estejamos perto de entrar num novo paradigma. Desta feita à boleia da revolução tecnológica iniciada no século passado, com os computadores e telemóveis.
Fernando Cristóvão, docente da Faculdade de Letras da Universidade Lisboa (FCUL) e coordenador da obra Literatura de viagens Da tradicional à nova e à novíssima, chama-lhe "novíssima literatura de viagens", mas, salvaguarda, este é ainda um rótulo a prazo, "uma experiência". "Ainda estamos a ver se encontramos um corpus que possa ser literário, romanesco". "Novíssima" é a literatura do dia-a-dia veiculada na Internet, em sites, blogues e e-mails, e pelos telemóveis, em sms e mms.