Fugas - Viagens

Enrique Marcarian/Reuters

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Viagem à volta dos mundos dos livros de viagens

"Muita gente que viaja envia logo e-mails ou fotografias", explica, "na maior parte dos casos, mais imagens do que texto, ao contrário do que acontecia antigamente". Agora, o destinatário é mais interveniente, faz perguntas, constrói a sua narrativa. O próprio estilo literário mudou, é mais sincopado, recorre ao calão. Veja-se, por exemplo, o site Trip Advisor, onde os viajantes deixam breves descrições de viagens, dos monumentos, restaurantes ou bares e partilham fotos.

Mário Matos, director do Departamento de Estudos Germanístico e Eslavos da Universidade do Minho, refere-se a este fenómeno como uma migração para os meios hipermediais a internet, que engloba vários media, como texto, imagens (fixas e em movimento), e que "permite a qualquer indivíduo transformar-se num potencial narrador da viagem". "Na Internet proliferam, aos milhares, os relatos de viagens digitais ou electrónicos que exploram ao máximo as potencialidades da hipertextualidade e da multimedialidade", reflecte. O site Alma de Viajante reflecte esta tendência de transferência medial: é um repositório de crónicas e reportagens de viagem e ao mesmo tempo quase um "diário", quando o autor anda em périplo.

E a migração medial também aconteceu para os audiovisuais, o que reflecte uma "omnipresença transversal" da representação das viagens em todos os meios de comunicação. Por exemplo, na televisão, há canais apenas dedicados aos temas da mobilidade e representações interculturais (como o Travel Channel, Odisseia, Discovery).

Pode não chegar a ser a "novíssima", mas a verdade é que a literatura de viagens tem vindo a contrariar todas as previsões. A "necro-lógica", como lhe chama Mário Matos, que há décadas tem anunciado a morte da viagem e da sua representação literária, que seria induzida pelo turismo de massas e pelos mass media, ainda não chegou aqui.

Quando a literatura é turismo

Quantas pessoas atravessaram (e atravessam) os EUA inspiradas por Jack Kerouac? Quantos não buscam ainda na Patagónia os passos de Chatwin, Paul Theroux ou, até, Francisco Coloane? Pode não ser possível quantificar, mas a verdade é que a literatura de viagens e a literatura em geral está inextrincavelmente interligada ao turismo. É essa a convicção de Mário Matos, director do Departamento de Estudos Germanístico e Eslavos da Universidade do Minho (UM). "É inquestionável que o caminho da literatura de viagens através dos tempos é co-determinado, senão mesmo indelevelmente cunhado, pela crescente mobilidade e, consequentemente, pelo desenvolvimento do turismo".

De tal forma que aconteceu uma pequena perversão: o surgimento do chamado turismo literário, resultado da procura deliberada pelo turista das imagens interculturais veiculadas pela literatura, seja a de viagens seja a romanesca, antiga ou recente. E a perversão surge do facto de, "nos últimos duzentos anos, a literatura de viagens produzida por escritores profissionais definir-se principalmente por tentar representar um ‘contra-programa' cultural ao galopante desenvolvimento do turismo", constata Mário Matos. Era o "maldito turista", alegadamente, "banal, insensível e inculto", em oposição ao "poeta viajante", um verdadeiro esteta e de sensibilidade apurada. Agora, somos todos turistas e a literatura é ela própria parte integrante da indústria turística. De uma forma ou de outra.

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