Fugas - Viagens

Enrique Marcarian/Reuters

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Viagem à volta dos mundos dos livros de viagens

(Novas) Geografias literárias

Nos últimos dois séculos, os livros delimitaram a geografia das nossas deambulações literárias e turísticas. "Flanamos" pelo mundo inteiro à procura do desconhecido e do familiar. Por mais que o mundo esteja "mapeado" tanto geográfica, como imagética e literariamente e que a correcção política se tenha imposto na aldeia global multicultural ainda procuramos um espaço (e um "outro") distante e exótico (e, preferencialmente, raramente visitado); ao mesmo tempo, regressamos às nossas matrizes culturais.

A verdade é que continuamos a procurar o que sabemos estar distante da nossa realidade. O Oriente, por exemplo, permanece um ícone - e um "lugar estranho", que surge no título português da obra de Peter Carey sobre o Japão, "Wrong About Japan" ("O Japão é um Lugar Estranho"), também esclarecedor sobre o modo como os ocidentais olham para o país do sol nascente (isto mais de um século depois de outra obra famosa "Unbeaten Tracks of Japan", escrito em 1878 pela britânica Isabella L. Bird).

É uma geografia (que se faz história, antropologia) distante, que a literatura europeia sempre tratou de forma diferente (que levou, aliás, Edward Said a afirmar, em "Orientalismo", que o Oriente, em certa medida, é uma invenção literária do Ocidente), fosse em livros de viagem ou de ficção. Lemos a China em Somerset Maugham (ficção e não-ficção), em Antonio Colinas ("La Simiente Enterrada, Un Viaje a China"), em Santiago Gamboa ("Todo Pekín") e percebemos que o fascínio permanece e vem de partes diversas.

A Índia continua a ser um mosaico imenso de exotismo, a que a literatura vai levantando o véu. V.S. Naipaul deu-nos uma trilogia, sem romantismos, "An Area of Darkness", "A Wounded Civilization" e "A Million Mutinies Now" e Sukutu Mehta guia-nos pela "cidade máxima" que é "Bombaim Maximum City: Bombay Lost and Found".

África ainda é uma quinta no Quénia tal como Karen Blixen descreve em "África Minha", mas é também "Deus, o Diabo e a Aventura", de Javier Reverte (que dedicou uma trilogia ao continente, não traduzida em português) na Etiópia do século XVII na senda de um jesuíta, e o "Rio de Sangue", de Tim Butcher, que volta ao Congo onde passaram Stanley e Livingstone, para encontrar o "coração das trevas". E o jornalista australiano Alan Moorehead também andou a seguir as pisadas dos exploradores do século XIX, desta feita em torno do Nilo, e deixou-nos "The White Nile" e "The Blue Nile", como viagens de (re)descoberta e metáfora da fuga.

E subindo para Norte, o Cairo mereceu uma trilogia ("Trilogia do Cairo"), de Naguib Mahfou, que acompanha a cidade entre as duas guerras mundiais. Uma cidade em permanente renascimento, diz Max Rodenbeck: em "Cairo, A Cidade Vitoriosa", vai ao tempo dos faraós e mostra que o Cairo nunca perde o fio à meada mesmo que este se encontre nos bazares e bordéis, que Flaubert registou em "Egypt: A sensibility on Tour", reconstituindo a sua passagem pelo país em 1849.

"Aqui, no deserto, encontrara tudo aquilo que procurava e sabia que jamais encontraria o mesmo outra vez."
As palavras são de Wilfred Thesiger, em "Pelos Desertos das Arábias", mas provavelmente ecoam as dos muitos outros que fizeram dos territórios desertos o ponto de partida e chegada. Como Théodore Monod, que afirma ter sido "um dos últimos viajantes sarianos do período do camelo" encontramo-lo em "O Fascínio do Deserto" ou "Os Navegantes do Deserto", por exemplo.

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