Atravessamos a grande porta dupla de madeira para uma avenida longa ladeada de jardins ("acrescentados" na década de 40). Ao fundo, a charola e uma das paredes do convento, onde nos dirigimos para descobrir que ali, das escadarias que acedem à esplanada da igreja (e à recepção do convento - tão escondida que os visitantes perguntam onde é), que nem existia à data da inauguração do castelo, se tem a melhor visão do cenário que percorremos: a porta, enquadrada pelas muralhas douradas que descem no terreno intervaladas por torreões quadrados e circulares e pelo castelejo, que encerra a torre de menagem; o pátio fechado por ruínas de um lado e debruçado numa varanda sobre a almedina de outro - é um castelo, mas a tranquilidade dir-seia monástica.
Esta é uma fortificação típica do Sul, por isso esqueçam-se os recintos amuralhados exíguos do Norte cristão. O pátio faz a transição entre a alcáçova e a almedina (daqui apenas copas frondosas de árvores) - três grandes espaços, portanto, autónomos. A alcáçova era o espaço mais simbólico e tinha dois extremos: o castelejo (pólo militar) e a charola fortificada (pólo espiritual). Entre eles, o recinto dos freires, mais tarde paço do Infante D. Henrique - Maria da Luz, que nos guia, di-lo melhor: "O castelo tem o coração na alcáçova e a alma na oratória. E quem os uniu foi o infante D. Henrique".
A alcáçova está fechada a visitas livres. É uma chave gigantesca que abre as suas portas: caruma cobre o chão e à nossa volta ruínas e outra muralha - o castelejo. Nova porta para a ele aceder, por escadas estreitas, e mais ruínas de construções posteriores aos templários (de D. Catarina, viúva de D. João III que "deixou" bancos de namorados na muralha com vista para a cidade), e a Torre de Menagem, severa, separada da muralha, construída com pedras de várias proveniências, incluindo aras romanas a "outros" deuses.
Do outro lado, as ruínas do antigo paço do infante, que foi mestre da Ordem de Cristo (que substitui a do Templo) e aqui viveu. É um esqueleto oco, onde se preparam escavações e a recuperação do espaço para servir de recepção. Que já foi na charola, inspirada na Cúpula do Rochedo - um oratório com tambor central octogonal e deambulatório de 16 faces exteriores que D. Manuel decorou intensamente: as pinturas sobre pedra, estuques e madeira ainda impressionam, sobretudo pelo tamanho.
Fora da alcáçova (e do convento), os visitantes têm livre-trânsito: para circular no pátio e descer à almedina (por onde se acedia directamente pela chamada Porta do Sangue), onde se localizou primeira povoação de Tomar - pós-romana, pelo menos. Quando se dá a conventualização, com D. Manuel I, a população é obrigada a sair, e hoje passeamos pela antiga rua principal coberta por caramanchão, vemos a porta dos Cavaleiros (de acesso ao pátio) entaipada e distinguimos as casas pelas marcas da muralha - está tudo coberto de vegetação.
Não é apenas um conjunto arquitectónico belo: este Castelo de Tomar era resistente (afi nal, era castelo de fronteira). Teve prova de fogo em 1191, quando os exércitos de Al-Mansor o cercaram durante cinco dias. E teve voto de confi ança de D. Sancho I, que ali guardou parte do tesouro régio. Agora, é ele próprio um tesouro - e constitui, com o Convento de Cristo, Património da Humanidade da UNESCO.