À porta do castelo, deixamos um parque que envolve ruínas - há parte da muralha da vila, há arcos para lado nenhum, escadas sem partida ou chegada. E mais para baixo está a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e o que resta da vila intra-muros, mandados erguer por D. Dinis e rasgados por três portas. Mas o castelo abaluartado onde entramos agora está indissociavelmente ligado à Casa de Bragança, antes mesmo de esta ser a família reinante em Portugal, quando era "apenas" a casa nobre mais poderosa do país.
O Castelo de Vila Viçosa como o vemos hoje é o produto desse poderio e da sua ostentação. Do castelo de D. Dinis pouco resta - entre 1525 e 1537, transformou-se em fortificação preparada para os desafi os da pirobalística. Vêse na estrutura - o quadrilátero tem dois torreões semi-circulares, em ângulos opostos e quatro níveis de disparo, três no interior e um no adarve: "Com uma notável economia de meios, conseguia fazer-se tiro ao longo da totalidade das muralhas", nota Mário Jorge Barroca. Destacam-se os pontos em comum com uma planta de Leonardo da Vinci - e Mário Barroca sublinha a ainda semelhança com um castelo norueguês mandado erguer por um bispo que viveu em Itália -, porém, da autoria desta obra de transição não há documentos conclusivos.
A entrada é em cotovelo e por aqui já se vêem as suas preocupações defensivas - reforçadas pela ronda interior ao nível do rés-do-chão. Por momentos, saímos para o pátio central, inesperadamente branco e tipicamente alentejano (sob o qual cruzam os canais de mármore da cisterna) para onde abrem as janelas, setecentistas, dos três andares que aqui se vislumbram. Mas já voltamos a entrar, para percorrer o emaranhado de salas e galerias, originais ou improvisadas a partir de armazéns, cozinhas ou prisões, abobadadas ou nem tanto, seguras por colunas mais ou menos graciosas, com mais ou menos mármores - onde, nos dois primeiros andares, funcionam o Museu de Arqueologia e o Museu da Caça: vemos colunas romanas e jóias da Idade do Bronze, peças egípcias e marcos das propriedades dos Braganças, parte do Tesouro de Juromenha e túmulos; um crocodilo embalsamado e hastes de veados e gamos; muitas cabeças de animais (alguns exóticos), armas de fogo e de caça à baleia.
No percurso, cruzamo-nos com o caminho de ronda interior e desembocamos nos torreões (nos dois primeiros andares, o terceiro está fechado) para encarar as canhoeiras que permitiam os tiros flanqueados e rasantes à parede e observar as chaminés de onde saíam os fumos resultantes dos disparos de canhão - espaços de amplas abóbadas, habilmente reformulados, onde o cenário bélico também pode ser visto como pano de fundo das exposições. E para encontros verdadeiramente imprevistos - os morcegos que vivem por ali.
No adarve, que não dá volta completa, mais espaço para canhoeiras e para toda a planície alentejana. Ao fundo, com boa vontade, vê-se o Alqueva, mas a tapada real (mais antiga e maior do que a de Mafra) está às portas de Vila Viçosa, as pedreiras abrem feridas na paisagem e a fachada do Paço Ducal está mais azul do que nunca.