Avaliação de sabores é o que se pretende na degustação. E, não há volta a dar, tal exige um paladar apurado - mas não capacidades sobre-humanas. É tudo uma questão de educação do palato, refere Alexandre Almeida, e essa implica um treino intenso, "uma rotina de provas", para conseguir avaliar as qualidades e identificar os defeitos dos produtos através de comparação de experiências, que resulta na construção de base de referências de características do produto. O único pré-requisito é não ter "defeitos", como rinites, sinusites e outras que tais, "De resto, qualquer pessoa pode tornar-se provador."
Alexandre e Pedro chegaram ao café por acasos profissionais, sem qualquer interesse prévio. Pedro, engenheiro biológico de formação, chegou à indústria cafeeira há cinco anos, depois de "pequenas experiências noutras indústrias". Quando entrou, as características ácidas de florais dos arábicos de topo surpreenderam-no negativamente - agora é apreciador entusiasta. Alexandre, bioquímico, lida há nove anos com cafés, depois de vários anos nos lacticínios. A experiência acaba por não ser muito diferente da do café, explica, é comum em toda a industria alimentar. "Eu provava queijo, para ver se correspondia ao standard", resume. E é de standards que também vive o café: de origem, de região, de torra...
Se não incomoda a designação de "provador de café", tão-pouco aborrece a comparação (óbvia, atrevemo-nos) com os enólogos. Há uma alquimia comum - a criação de bebidas - e há um paralelismo iniludível nos universos, ainda que com vocabulários distintos: as castas correspondem às origens do café (dentro destas há ainda que incluir na equação a região e a altitude) e a vinificação tem o seu equivalente na torra. As provas propriamente ditas são "muito similares", nota Alexandre Almeida, com uma ressalva importante: a de café pode ser "mais cansativa", quando existem "gorduras de café, películas e creme" que cansam mais as pupilas gustativas.
A prova dos nove
É um ritual, a prova de café. Nós assistimos a uma versão informal da chamada "prova brasileira" à espera de uma revelação dos sentidos. A mesa de provas está num dos cantos do laboratório, alta, redonda de granito, tampo giratório com quatro cuspideiras de inox acopladas. São colocadas quatro pequenas taças com café em pó sobre o qual se despeja a água a ferver (há uma outra prova, a "expresso", a do produto final tal como chega e é experienciado pelo consumidor).
Fica a repousar durante uns minutos para libertar as características dos grãos, esta mistura dividida em quatro para maior fiabilidade da prova. Cada expresso tem 50 grãos de café: se um dos grãos tem defeito afecta a taça. Se aparece apenas numa taça, quer dizer que "não é grave"; se aparece em duas, já é um sinal de alarme e obriga à reavaliação dos lotes, colher amostras em maior número e repetir as provas.
Os rostos aproximam-se das chávenas como se para melhor absorver os aromas e observar a cor. Mas a acção começa a seguir: a colher que repousa na mesa, uma espécie de miniconcha, mergulha três vezes em cada chávena - de cada vez é levada ao nariz e "inalada". Analisar o aroma "é uma forma muito rápida, básica e eficiente", explica Alexandre, de "aferir defeitos", como o "grão velho, fermentado".