A capa formada pelo contacto da água quente com o café é então retirada - "parte do lixo", assinala Pedro Ribeiro - para libertar plenamente os aromas. Pode parecer estranho uma prova dar tanto valor aos cheiros, mas este é um "aspecto fundamental" - o ser humano detecta muito poucos sabores (cerca de uma centena), logo o que sobra são os aromas (milhares conseguem ser diferenciados). Se fosse a sério, haveria um bloco de notas, onde todas as impressões seriam registadas, aos parâmetros seriam atribuídas cotações.
O passo seguinte, a degustação em sentido estrito, é precedido de um aviso bem-humorado. "Não se assustem." Não, não nos assustamos quando a colher é cheia de café, levada à boca e "aspirada". "Quanto mais ruidoso, melhor", assinalam. Sugar e cuspir - por norma, o café não é engolido, embora às vezes se faça para se "obter uma resposta mais fiel". "O café envolve todas as partes da boca ao mesmo tempo", explica Alexandre Almeida, o que permite "sentir sabores e, sobretudo, aromas" (quando mastigamos, paladar e cheiro são simultaneamente activados). Na degustação a acidez é uma "qualidade preponderante", assim como a "intensidade de sabor", combinadas com o "volume e textura". Palavras que não se querem ouvir são "adstringência" ou "aspereza", entre outras - substituam-se por "encorpado", "achocolatado" ou "arredondado", por exemplo, e saber-se-á que o café é bom.
A tarde já está a caminhar para o seu fim quando nos detemos no laboratório para a prova. "Idealmente", diz Alexandre, "fazemos de manhã, estamos mais frescos, descansados" - além disso, como se trata de produto com cafeína que por vezes se tem de engolir (e, na verdade, quando se aspira, confessa, "entra sempre um bocadinho"), pode causar distúrbios com o sono. A ele causa, daí a rotina instituída aqui no laboratório. É uma opção; o que não pode ser opção é o tabaco, as chicletes e o perfume - são interditos, uma vez que podem comprometer a avaliação de sabores, mais ou menos aceites por todos que entram na zona de provas, que também deve ser ela "limpa de aromas".
Alquimia dos grãos
Lá em baixo vemos a sala de torra, aqui, no laboratório, luz branca intensa é apropriada a testes; lá em baixo a maquinaria é tamanho XL, aqui reduz o tamanho e ganha aparência mais sofisticada - há balanças de precisão, moinhos, torradores de amostras, provetas e termómetros calibrados, aquecedores de água, máquinas de expresso. Aqui faz-se o trabalho alquímico que lá em baixo se massifica.
Por aqui não se avalia somente a qualidade dos grãos que chegam constantemente ao armazém, aqui constroem-se os lotes e os blends. "Vemos o que vai encaixar bem", explica Alexandre Almeida, "e vemos experimentando". Cabe-lhes, portanto, definir a composição e o grau de torra ideal: tirar de um lado, pôr do outro, torra clara, torra escura - trabalho meticuloso que tem a prova dos nove quando se prova. "Só nessa altura se avalia", afirma, "um produto pode ter as mesmas características físico-químicas e um acabado sensorial diferente".