Ainda não é a torra, o destino do café quando sai do armazém. Primeiro passa por uma separadora densimétrica, cuja função é descartar os inertes, como pedras, por exemplo - "este é um produto natural, seco em eiras, por isso não é anormal a presença destes". Dessa máquina, de tampo transparente onde se vê o bailado dos grãos, o café é enviado finalmente para a torrefacção, por tubagem interna. Normalmente, 300 quilos de cada vez.
Nunca nos chegamos a recompor do aroma a café que se entranha na sala de torra. É como se mil expressos quentes tivessem explodido entre as máquinas enormes e ruidosas. "Há 12 silos a trabalhar, cada um com uma origem", vai explicando Alexandre. Quando o café, já torrado, cai numa "frigideira" giratória gigante, passou meia hora a sofrer os efeitos do calor (chega até aos 200 graus, entre altos e baixos de temperatura, definidos por parâmetros de torra individuais), aumentou de tamanho em 50% e perdeu 20% de peso. Ganhou 850 novos compostos químicos, responsáveis pelo sabor e aroma - parece que os sentimos todos nesta overdose de cafeína, volátil como os gases que se estão a libertar da estrutura cavernosa onde estavam aprisionados. A cor agora está uniforme, mas passou por várias fases, do verde ao amarelo, ao acastanhado até à definitiva.
Depois da torra, o café passa ainda por uma nova etapa de limpeza, repousa pelo menos 24 horas até chegar à moagem e embalamento do produto final. O café em grão é sobretudo canalizado para hotéis, restaurantes e cafés (o chamado "canal horeca", na gíria do meio) enquanto o moído tem no mercado doméstico os seus consumidores preferenciais - algo que vai mudando, uma vez que as pastilhas estão a conquistar espaço.
Palavra aos baristas
Se há quem se esforce por criar o lote perfeito, há quem faça de tudo para transformar esse lote numa bebida que reflita a qualidade original dos grãos- são os baristas. E se em Portugal a função de barista ainda está em processo de se entranhar, por Espanha ou Itália já conquistou um lugar de destaque.
"Vai um cafezinho?" Quantas vezes não se ouve, ou mesmo se diz, tal tirada? E se é certo que um café cai sempre bem, também é verdade que a bebida serve como desculpa para um encontro, para dois dedos de conversa, para uma pausa. Por estas razões, Rui Gomes, barista no Hotel Vila Batalha, na localidade homónima, e também campeão nacional de baristas - no encontro internacional ficou em segundo lugar, tendo conquistado o primeiro prémio do melhor cappuccino da Península Ibérica - descreve o café como "um elemento de união" na cultura portuguesa.
"É à volta do café que se desenrolam conversas do dia-a-dia, desabafos vários. E é muitas vezes à volta de um café que se fazem amigos." Mas nem sempre o café está à altura de tais momentos. Rui, de 31 anos, diz mesmo que o que o levou a procurar a Escola de Baristas Delta de Campo Maior foi o facto de "achar que a maioria dos cafés que se toma não tem a qualidade devida". Não se pense, porém, que a origem de um fraco expresso está na má qualidade do grão que lhe deu origem ou mesmo da sua proveniência - embora esta influencie muito o sabor final: mais aguerrido ou mais adocicado; menos ou mais forte. Pode acontecer, mas é raro, uma vez que, antes de chegar ao consumidor, o grão ou o pó, exiba ele o rótulo que exibir, passa por vários processos de verificação (e até de prova, como a Fugas assistiu na Torrié - ver texto nestas páginas - e que também testemunhou na Delta).