E tudo começa com as amostras que chegam regularmente à fábrica: nas mais de quatrocentas caixas-gavetas que cobrem parte das paredes do laboratório estão mais de mil. Primeiro chegam as amostras de venda: é necessário aferir a qualidade do grão, comparar com os standards da origem, avaliar se encaixa no perfil da marca e, evidentemente, verificar preços. Depois chegam as de pré-embarque, e nova bateria de análises; quando finalmente chegam os contentores com a mercadoria repete-se tudo. "Não é desconfiança, mas o café vem, normalmente, de países económica e socialmente instáveis", afirma Alexandre.
Há várias espécies de café, mas apenas duas são comercializadas e cada uma tem a sua bolsa - o café arábica, em Nova Iorque, e o café robusta, em Londres. O arábica é o mais comercializado; o robusta o "mais adequado ao conhecimento do perfil português". Há uma explicação histórica para tal: até ao 25 de Abril era proibido importar café e era de Angola, onde o robusta domina, que vinha 99 por cento do que aqui era consumido (o restante vinha de São Tomé e Príncipe e Timor Leste). "Era extraordinário e nós [Portugal] demos um grande contributo para o seu desenvolvimento", considera Alexandre Almeida.
Em traços gerais, o arábica tem um aroma e um sabor mais persistentes, apresentando níveis de acidez e amargor equilibrados, o robusta é mais encorpado e amargo; o primeiro vem, sobretudo, da América do Sul e Central, gosta de grande altitude e clima temperado; o segundo de África, floresce em regiões húmidas e baixas. "No caso dos blends, o desafio é encontrar a melhor forma de os combinar", sublinha Alexandre, tendo em conta as diversas origens e, dentro destas, as regiões - o resultado desta mistura normalmente são cafés encorpados, de gosto intenso e definido e aroma de chocolate.
Para os varietais o importante é manter a "homogeneidade" do lote e "realçar as características da origem" e aqui trabalha-se com Colômbia, Guatemala, Nicarágua, Brasil e Angola. E depois há novos produtos, que respondem a um público "cada vez mais desperto e com ânsias de experimentar", que reivindicam um trabalho mais apurado para potenciar determinadas propriedades do café e combiná-las - por vezes, em "híbridos".
Das gavetas de amostras saem três saquinhos transparentes com grãos que são dispostos em três taças diferentes, quase como aperitivos prontos a trincar. Uma tem grãos de robusta cherry da Guatemala, a outra arábico natural do Brasil e a terceira volta à Guatemala, arábica lavado - cherry é uma subespécie; natural e lavado são termos que designam os tipos de processamento.
No natural, os grãos são separados com peneiras e os maduros, uma espécie de "cereja vermelha", são secos ao sol, para depois se remover a polpa e a semente que é o grão; no lavado, os frutos são passados por uma corrente de água, aos maduros é removida a polpa e o grão é levado para secar (há outro lavado, não natural, em que os frutos, depois de descascados, são mantidos em compartimentos na presença de microorganismos ocorrendo a fermentação da polpa - só depois desta o grãos são lavados e colocados a secar). Como a composição química do café cru é uma das condições cruciais na definição do sabor e o aroma após a torra, questões como o processamento, juntamente com o clima, a altitude e o tratamento, terão influência no café que bebemos - do mesmo modo que sucede com os vinhos.