Não têm a visibilidade dos enólogos, ainda que percorram caminhos semelhantes. Só que é o café que concentra as suas atenções. Não se assumem inteiramente como "provadores de café", mas o seu trabalho passa muito por isso. Provar, avaliar, escolher - e fazer cafés. Fomos a uma torrefacção seguir-lhes os passos que são também os do fruto a tornar-se bebida
Não é um exame, porque se o fosse teríamos falhado redondamente. É verdade que notamos um sabor forte, algo como mofo, pensamos, mas não estamos à espera da rasteira - e a verdade é que esse sabor não é novidade. O que nos põe a pensar na qualidade do café que andamos a beber. Porque esse café que nos dão a provar é intragável: é "café riado", explicam-nos, "parece velho e tem um aroma químico". Em suma, "é péssimo". Mais importante, "estraga um lote". Quem o diz sabe do que fala. Alexandre Almeida é o responsável pelo controlo de qualidade e processo da Torrié. A tentação será chamar-lhe "provador de café".
"Não é a minha profissão, mas também despendo muito tempo nisso", concede. O "resto" é passado entre outras tarefas que começam com a análise da matéria-prima, controlos de embarque e recepção, passam pela verificação do processo de moagens (a granulometria para o café moído e avaliação do produto acabado) e de torragem (definição dos perfis de torra, a sua implementação e acompanhamento) e detêm-se na investigação e desenvolvimento de novos produtos, novos processos, pesquisa de mercados de café verde ("A área é tão vasta que é necessário ir vendo constantemente o que cada origem de café tem para oferecer. Fazer testes, comparar, encontrar origens de café alternativas para nós", explica Alexandre).
Não é incomum, portanto, e não incomoda, assegura, o uso dessa espécie de sinédoque para definir o que Alexandre faz: afinal, o controlo de qualidade e de processo passa, e muito, pelas provas - são os tira-teimas e acontecem em várias fases do seu trabalho. "Para toda a gente que trabalha com café verde esta é uma parte do dia-a-dia." Aqui, nesta sala com janelas para a torrefacção (como se fosse o posto de comando, a ponte de um navio) cheia de máquinas, computadores, bancadas, e armários de dezenas gavetas, trabalham Alexandre e Pedro Ribeiro. Há dias em que fazem mais de 20 provas (o recorde foi cem numa tarde, num encontro internacional): "Temos muita coisa para provar, amostras de matéria-prima, lotes de café...". Café verde e café torrado sujeitos, então, a ensaios físico-químicos e sensoriais.
Não são provadores, são "também" provadores, preferem dizer. Em Portugal é difícil assumir o provador de café como um profissional per se, algo que não sucede, por exemplo, no Brasil, onde há cursos e especializações nesta área, o que tem uma justificação óbvia: o Brasil é um país produtor (ou melhor, é "o" país produtor) e a cultura do café está aí mais desenvolvida. Aqui, onde o café nos chega numa chávena sem qualquer história por detrás, a área dos provadores apenas se começou a desenvolver há dez anos e estamos longe de ver algo como o que fez, em 2009, Gennaro Pellicia: o gestor de moagem da cadeia Costa Coffee segurou a sua língua em 11 milhões de euros. Aqui, não ouviram falar disso.