Por enquanto acompanha-nos, a longo das primeiras horas de viagem. O percurso nos 4x4 é acidentado, cheio de curvas, bamboleante (mas sem a suavidade do dromedário), num terreno cheio de arestas e saliências. O deserto, começamos a descobrir, não são só dunas altas e suaves de areia fina. O deserto pode ser um terreno imenso de pedra dura, um chão seco de feridas abertas pela falta de água, pequenas dunas pontuadas de tufos verdes empoeirados, um solo pejado de pequenas pedras.
Meia hora depois de deixarmos M’hamid, seguindo os sulcos marcados no chão deixados por outras viaturas que ali passaram e, aparentemente, sem qualquer outro ponto de referência (mas Mohammed conhece bem o percurso e sabe para onde vai), surge do nada um homem, puxando dois dromedários. Não há vestígios de nenhuma outra povoação por ali, fica-se a pensar de onde é que ele vem e o que anda ali a fazer. Sempre acompanhados pelo vento e pela areia que ele ergue no ar, vemos, ao longe, um outro grupo de dromedários e, algum tempo depois, entre rocha e dunas, paramos junto a um grupo destes animais, que parecem aguardar perto do que, percebemos depois, é um poço.
Mohammed não se intimida. Descalço, salta do seu camelo japonês para o solo seco do deserto e abre o poço, puxando, uma e outra vez, e ainda outra vez, muitas vezes, a água que despeja num recipiente no chão. Os bichos rodeiam-no e lambuzam-se. Não são selvagens. Não há dromedários selvagens neste deserto marroquino, garantem-nos. Pertencem a alguém e por isso têm as patas da frente presas uma à outra, com uma corda que lhes limita os movimentos, impedindo-os de fugir. Com a areia a rodopiar por todo o lado, voltamos ao carro, quando os animais, saciados, já se afastam, subindo uma pequena duna.
O deserto torna-se plano, coberto de rocha e, depois, regressam as dunas, ainda cobertas de pedra. Não há monotonia. A paisagem não é sempre igual e, de um momento para o outro, enche-se de acácias, numa seca imitação da savana africana, e Mohammed brinca: “Só faltam as girafas”. Dali a instantes chegamos ao Oásis Sagrado.
A água que corre não é muita, mas, no meio de uma paisagem lunar, é um bem inestimável. As palmeiras poeirentas ladeiam o charco animado por pequenas rãs. O fio de água que surge entre as pedras ajuda a limpar um pouco da areia da cara e a ganhar novo alento, antes de fazermos os últimos quilómetros até Chegaga, o lugar das grandes dunas.
Chegamos lá quando o dia está quase a terminar, mas ainda a tempo de atirarmos as mochilas para as tendas atapetadas e com camas de cobertores grossos, aonde iremos pernoitar, e nos lançarmos sobre aqueles montes macios de areia dourada.
É aqui que o deserto é mais bonito. E, para um principiante, é aqui que ele se torna reconhecível, assemelhando-se às imagens dos filmes e documentários que nos vendem um deserto exclusivamente feito de altas dunas onduladas, umas a seguir às outras. O acampamento onde iremos ficar está alojado aos pés destes gigantes, belos e silenciosos.