A noite não termina sem que se faça o pão de areia. A massa chega já pronta, junto ao círculo de pedra em que arde a fogueira preparada há pouco. Um homem afasta as cinzas, com um pau, coloca a massa na areia e cobre-a com ela e com as cinzas. Com um tronco seco, o cuidador do pão vai batendo na massa, avaliando o estado da cozedura. O pão é retirado, virado e volta a desaparecer sob a areia e as cinzas. Quando está pronto, não há tempo a perder. O homem agarra-o, sova-o ligeiramente, limpa-o com um pano aos quadrados e parte-o, ainda quente, para ser servido. Ainda se sentem pequenos cristais de areia entre os dentes, mas a massa quente é deliciosa e desaparece num ápice.
Lago, mas não hoje
Durante a noite, o vento fustiga a tenda, mas não nos impede de dormir. Acordamos com o despertador, às 6h15, para assistir ao nascer do sol. Desta vez, somos muito poucos. Quem preferiu ficar a dormir não vai saber que o verdadeiro espectáculo acontece precisamente agora, quando todas as cores têm uma vivacidade que o final da tarde desconhece. Não vamos tão longe, não subimos tão alto e não ficamos tão cansados como no dia anterior, mas é a este momento que chamamos inesquecível. E, vá lá, nem era preciso que aparecessem (como apareceram) três dromedários entre as dunas, conduzidos por um dos homens do acampamento, que os solta, com uma palmada ligeira no lombo, no meio das dunas, para que partam em busca de pequenos tufos de vegetação com que se possam alimentar.
Deixamos o acampamento com a certeza que vamos ter saudades dele e regressamos aos solavancos e às paisagens incertas do deserto. As grandes dunas dão lugar a outras bem mais pequenas, surgem pequenas árvores e tufos de plantas cobertas de poeira, lá se vão as dunas e vêm chãos pedregosos, sempre aos solavancos, e lá surge agora mais um homem a conduzir dromedários (para onde é que ele irá?) e, depois, de novo, o deserto torna-se plano.
A manhã esvai-se entre as várias caras do deserto, incluindo a do surpreendente lago seco de Iriqui. Réda garante-nos que algures entre Setembro e Outubro há água por ali, e a fauna torna-se variada — gazelas, répteis e várias aves procuram as suas águas — mas neste momento não se vislumbra mais do que solo seco, que se desfaz em poeira entre os nossos dedos, numa extensão a perder de vista. Lá ao fundo, no horizonte, julgamos vislumbrar de facto água, com algumas ilhotas no meio. “É uma miragem”, garante o nosso acompanhante. Não há aves nem água, só o calor a enganar-nos nos olhos. E os dromedários, claro, que andam por ali a petiscar.
Depois do lago seco de Iriqui, o deserto torna-se cada vez mais rochoso. Há montanhas em redor, paredes de rocha que se erguem, imponentes, da terra, e uma menina que surge do nada, a correr em direcção aos automóveis. “São nómadas”, explica Mohammed, antes de parar. A miúda aproxima-se, vinda de um conjunto de trapos coloridos, que se percebe serem tendas, a algumas dezenas de metros de distância. Há galinhas junto ao pequeno acampamento, mas elas não seguem a criança, nem a rapariga que a persegue, de cabeça coberta. As duas meninas aproximam-se, sem receio, deixam-se fotografar e recebem, de braços abertos, o pacote de bolachas e as garrafas de água que um dos motoristas lhes oferece. Logo a seguir, partem de novo, para a sombra da tenda decrépita.