Fugas - viagens

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Kiev, a porta da Ucrânia

Mikhail conduz-me pela avenida principal, a avenida Krechtchatik, e aponta os edifícios pesados que a ladeiam. "Isto são os prédios da era soviética [os soviet times, uma expressão mil vezes ouvida neste país], que hoje continuam a ser edifícios públicos." Um Mercedes preto ultrapassa-nos a toda a velocidade, fora de mão, na avenida de oito faixas. "Isto também é a Ucrânia", diz o meu cicerone. O seu olhar vai ganhar outro brilho quando chegamos à vasta Praça da Independência: "Foi aqui que aconteceram as manifestações da Revolução Laranja." É o ponto em que o meu percurso encontra a história recente da Ucrânia. Por causa das manifestações de 2004, esta praça era a minha única imagem visual de Kiev. Agora integro-a neste universo físico feito de colinas, catedrais e um rio. A cidade imaginária que trouxe de Lisboa começa a esconder-se atrás da cidade real.

A praça é dominada por um monumento à independência, com 52 metros de altura, construído em 2001. É um espaço aberto aos peões. Aliás, a Krechtchatik é fechada ao trânsito aos feriados e nos fins-de-semana. Ao lado do monumento, as linhas delicadas do conservatório suavizam a dureza áspera e maciça dos prédios soviéticos, construídos depois da II Guerra. Fora do centro, subsistem muitas construções anteriores à guerra e as cores dominantes são o amarelo ou o azul-claro, que encontramos em alguns dos principais edifícios religiosos, como a catedral de São Vladimir ou o mosteiro de São Miguel das Cúpulas Douradas.

Mas aqui, na Praça da Independência, estamos num eixo que funciona como uma das espinhas dorsais da cidade. Nesse eixo inscreve-se o Estádio Olímpico, onde terá lugar a final do Euro 2012. O estádio, com capacidade para 70 mil espectadores, foi inaugurado no ano passado. Apesar de já estar a funcionar, ainda decorriam ainda alguns trabalhos na zona envolvente quando por lá passei. Obras do Euro 2012 nas cidades ucranianas significa novo estádio e novo terminal do aeroporto. O terminal de Kiev estava em obras quando cheguei e ainda não se encontrava operacional, mas prevê-se que os trabalhos estejam prontas antes do arranque da competição.

O eixo central continua pelo mercado da Bessarabia, um típico mercado ucraniano, onde começa a Krechtchatik. Os primeiros edifícios administrativos soviéticos que aqui existiam foram dinamitados pelo NKVD, a polícia secreta do regime, depois de os nazis ali terem instalado o seu quartel-general. Em consequência desses atentados, em Setembro de 1941, mais de 33 mil judeus foram massacrados na ravina de Babi Yar, nos arredores da cidade. Ao longo da guerra, mais de cem mil pessoas seriam assassinadas no mesmo lugar. Durante a guerra, a população de Kiev passou de 800 mil para 295 mil, nota o historiador Mark Mazower, em Hitler's Empire. Quase nenhum dos 600 mil soldados soviéticos cercados pelos nazis no cerco da capital ucraniana sobreviveu. Mazower nota também que houve colaboracionistas ucranianos que participaram nas atrocidades dos nazis. Mas a guerra neste lado da Europa, explica o mesmo autor, era uma guerra de extermínio de judeus e eslavos.

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