Hugo Brito
Boi-Cavalo, Lisboa
Uma casa que se enche de nevoeiro, cada vez mais invadida por essa nuvem de fumo branco... Hugo Brito fez um filme de terror nesse cenário antes de se dedicar à cozinha, não é preciso ter imaginação muito fértil para imaginar tudo o que podia acontecer num talho — o cheiro a carne fresca, sangue, vísceras, a faca a cortar os ossos, a arca frigorífica no meio da sala, onde hoje se servem refeições. Neste argumento, o ideal seria ter o cozinheiro a matar o artista, mas ele prefere pensar que “o cozinheiro consumiu o artista que já não tinha nada a dizer”. Para trás ficou a Sociologia, as Artes Plásticas, o ensino. Agora o que faz na cozinha “tem que ter significado”. É isso que o move, como um statement, com uma dimensão política até, ou não se tivesse instalado num espaço em Alfama, sem grandes apetrechos e menos mordomias, com preços para não espantar clientes.
Neste filme, em que o cozinheiro se arrasta pelo corredor da morte, um prato o faria salivar: “Acelgas salteadas com alho, malagueta e ovo escalfado. E ostras!”. Nunca esqueceu a primeira vez que provou “acelgas boas” preparadas pelo amigo António Rosa, um agricultor que cultiva tudo, perto da Arrifana, foi sem ovo, mas Hugo Brito gosta de o acrescentar para que o prato que é um acompanhamento ganhe o estatuto de principal. E o bem que lhe sabe... “Costumo fazer quando estou sozinho, sempre que vou às compras e há acelgas”. As ostras são outra história: “Desde que provei a primeira vez, todas as ostras são sempre uma surpresa. Gosto ao natural, mas não sou purista. Viajo para Cacela Velha, em Maio, com o sabor. Bons momentos”.
Primeiro, uma cerveja, depois um vinho branco. Estamos na Rua do Vigário, talvez confesse o crime... Os passos arrastam-se, pesados, pelo corredor. Uma cortina de fumo paira. É chegada a hora!
Texto publicado na revista Culto de Dezembro