Ana Moura
Cave 23, Torel Palace Hotel, Lisboa
Os dois edifícios do início do século XX onde está instalado o Torel Palace Hotel, na Colina de Santana, em Lisboa, têm tanto de mágicos como de misteriosos. Deixe-se cair a noite, oiça-se o sussurro das árvores e barulhos que não se sabe bem de onde vêm e a cave, atrás de muros e do enorme portão de ferro, bem podia ser o cenário de um crime. Às tantas, quando sai da cozinha, Ana Moura não esconde que fica um pouco “apreensiva”, mas mais incomodada fica com a ideia do corredor da morte e o tanto que ainda estaria por fazer, algumas viagens, seguramente, México e Japão, no topo da lista, pela gastronomia, claro, mas tantos outros lugares. Há outra ideia que a atormenta: “Perder o palato”. Haverá maior punição para um chef? “Seria um desespero, uma total falta de controlo, estar dependente de outros, é uma imagem aterradora. Uma gripe já mete medo”.
Ana Moura — que aprendeu na cozinha do Eleven com Joachim Koerper e do Arkaz, em San Sebastián, onde foi protegida por Elena Arzak, a filha de Juan Mari Arzak, apontada como uma das melhores do mundo —, 32 anos, a dirigir a cozinha da Cave 23, revela aquela que seria a sua última refeição e a deixaria saciada: “É impossível não ficar feliz depois de um pão com chouriço e um copo de tinto”. E vêm-lhe à memória tantos momentos felizes com o cheiro do pão quente e o aroma inconfundível do chouriço: “As férias passadas em Porto Covo (Sines), os santos populares, as noitadas com amigos e todos os fornos de lenha nas feiras, uns pães melhores outros piores, mas sempre reconfortante”. O momento seria só seu, pois imaginar ter de partilhar o seu último pão com chouriço é um desconsolo. “Podia estar com o meu namorado, mas eu daria uma dentada no pão e ele comeria o resto todo num abrir e fechar de olhos...”.
Durante o tempo que viveu longe dos seus, esteve privada de alguns pratos, quase todos tão frugais como substanciais. “Em Espanha, tinha saudades da açorda alentejana, da carne de porco à alentejana, do pão alentejano, dos enchidos [dá-se conta que o Alentejo marca muito dos seus gostos]. Em Ávila, numa Páscoa fiz um ensopado de borrego e toda a gente odiou”. Queria replicar o almoço pascal a que estava habituada, preparado pela mãe, mas o borrego não reuniu o consenso dos comensais. Houve iguarias que aprendeu a gostar, como a mão de porco, língua, tripas, orelha. “Agora adoro, comecei a provar e entrou no meu palato. O grão e as lentilhas também”. Mas mesmo com a morte à espreita, há coisas que nunca se atreveria: “Não comeria bacon, o fumado misturado com a gordura é algo arrepiante para mim”. Fiquemos pelo pão com chouriço, acabado de sair de um qualquer forno de lenha, a fumegar, “das coisas que mais prazer me dá.”
João Rodrigues
Feitoria, Altis Belém, Lisboa
Uma travessa cheia de carabineiros grelhados, muito simples, para comer entre amigos e de preferência sem ter de cozinhar, é a ideia de João Rodrigues de uma refeição especial. “Ir ao Ramiro [afamada cervejaria em Lisboa] podia ser uma alternativa”, sugere. Não esquece os melhores que provou até à data: “Foi em Peniche, estavam no ponto certo, isso é fundamental. Mas são as circunstâncias, a companhia, os momentos, que nos marcam, se estamos predispostos a estar bem tudo nos sabe melhor”.