Nem sempre lhe pareceu bem a dieta dos pais, mas hoje reconhece que tira partido do que aprendeu. Por isso, a origem dos alimentos, a forma como são produzidos, o tipo de agricultura, como os animais são criados, são preocupações que tem em conta na hora de fazer escolhas. “A indústria alimentar assusta-me e revolta-me, sobretudo, as práticas e a pegada ambiental ligada ao consumo de carne”. Mas assevera: “Não sou vegetariano, adoro um naco de carne e um bom peixe”.
O cuidado com o que se comia veio acompanhado de um lado mais holístico, que também segue pela via da meditação. A ideia do corredor não o assusta, nem a morte. “O Cristianismo incute-nos a ideia de medo, de irmos para o Inferno. Eu identifico-me mais com os princípios Taoístas, em que toda a matéria é energia [filosofia-religião assente na busca do equilíbrio do corpo e deste com a natureza, assim como o desprendimento do mundo material]”. Contextualiza: “Entendo que estamos aqui com algum propósito, estamos para ser felizes e aproveitar esta vida ao máximo. A morte tem tanto peso como a vida”. Na despedida, seria a singeleza de uma sopa caseira, que o acompanhou sempre, a reconfortá-lo antes de seguir caminho. A família à mesa, a panela a fumegar, os copos cheios de vinho, lá fora, a chuva como lágrimas.
Rui Silvestre
Bon Bon, Sesmarias, Algarve
Sirva-se um lagostim ou um carabineiro à falta do primeiro, com laranja e um toque de Ponzu para deixar Rui Silvestre feliz ainda que empurrado para o corredor da morte. E uma “boa cerveja alemã”. “Sou um apaixonado por crustáceos, a laranja é o símbolo do Algarve e as influências asiáticas realçam a cozinha de produto que pratico”, justifica a combinação de ingredientes do prato. Natural de Valongo, mudou-se para Lagos aos nove anos, depois Portimão. Foi a Sul que, mais tarde, experimentou o fascínio pela cozinha, embora as raízes continuassem a Norte, onde a maioria da família se mantém. Ele ganhou mundo desde aí, um melting pot de experiências, de viagens, de lugares. “Sinto-me em casa em qualquer sítio, não é a geografia que me prende, sou ligado às pessoas e ao meu trabalho”, diz.
Deslumbrou-se com um prato de Bertílio Gomes (Chapitô à Mesa), aprendeu na Normandia, aventurou-se em Paris, sucedeu a Miguel Rocha Vieira (Fortaleza do Guincho) no Costes, em Budapeste. Tantas vezes foram as diferenças gastronómicas a testar o seu palato e a chocá-lo. Da Hungria, trouxe na memória “peixes de água doce, carne de porco mangalitsa, foie gras cru, sandes de pimentos”. Foi em Paris, em 2010, que teve o primeiro contacto com a cozinha asiática, no restaurante Le Petit Centre du Monde, onde se cruzou com o último chef do último imperador do Japão. “Foi ele quem me deu a conhecer a maior parte dos sabores e dos molhos”, recorda.
Segue uma cozinha de produto, onde os ingredientes nacionais são valorizados, à semelhança do que acontece nas cozinhas chinesa, japonesa ou vietnamita, que aprecia. Recria texturas, mistura sabores, sempre para tentar realçar os produtos. Nem sempre consegue os resultados que pretende, ainda hoje não consegue igualar o caril de frango preparado pelas mulheres da família e se tem um segredo ainda não o descobriu. Mas daí a matar por ele...