Voltemos ao derradeiro momento. Não seria ele a cozinhar, prescindiria desse prazer para usufruir plenamente da refeição. O menu: um carpaccio de carapau (como prepara há 15 anos, antes da moda ter chegado); um robalo com um sabor acentuado a maresia combinado com berbigão; uma garoupa, já mais substancial, grelhada com um molho de pimento amarelo; depois borrego, numa versão mais delicada, um carré. Em cada prato, o toque diferenciador das ervas aromáticas, que cedo trouxe para a sua cozinha e valorizou. “Gosto muito de tomilho que casa bem com a garoupa e o borrego”, diz. Por fim, uma tábua de queijos. Confessa: “Não sou muito doceiro”. Sem esquecer os vinhos – prefere os do Dão e do Douro, sobretudo, brancos com alguma idade. “Aprecio a intensidade e a elegância dos vinhos. Acho que a minha cozinha também é assim”. Sem sair do jazz, a música agora é outra, Ella Fitzgerald, porque é de elegância que se fala.
Na Cozinha de Miguel Castro e Silva, editado pela Lua de Papel, é o mais recente livro do chef, com fotografias de Jorge Simão e as histórias sobre 48 produtos portugueses que partilhou com Augusto Freitas de Sousa. Ao mesmo tempo, prepara a abertura de dois espaços em Lisboa, entre um regresso às origens e a descontracção que a gastronomia pede. E ele que sempre experimentou técnicas e combinações que o tornaram incompreendido amiúde por estar à frente do seu tempo, que devolveu a Portugal a sua cozinha tradicional, continua a criar com o mesmo entusiasmo do início, como se estivesse tudo por fazer. “Não gosto de pensar no momento final, prefiro celebrar a vida”. E partilhar.
Pedro Lemos
Restaurante Pedro Lemos, Porto
“Se é para ir para o inferno que seja pela gula e por todos os pecados capitais”, dispara Pedro Lemos a sangue frio. Por isso, nada menos do que um banquete memorável, a várias mãos, por alguns dos chefs que admira. A escolha foi feita na hora, com algumas hesitações pelo meio. “Não é fácil, são tantos os que me inspiram”. Apenas uma certeza: “Uma refeição de clássicos, sem fogo-de-artifício ou espectáculo, um regresso às bases, algo que me fizesse esquecer o que se seguiria”.
A começar, um goulash um prato originalmente da Hungria que se popularizou na Áustria, donde é natural Dieter Koschina, o chef que soma 25 anos no restaurante algarvio Vila Joya, que integra também a lista dos 50 melhores restaurantes do mundo. Pedro Lemos lembra que “era ainda um menino” quando esteve na equipa de Koschina durante um festival gastronómico. Depois, do intenso labor, foi o próprio quem preparou um goulash para o pessoal. “Era um simples prato caseiro que serviu de pretexto para estarmos juntos a celebrarmos o esforço. Caía bem, neste momento”.
Seguir-se-ia, um prato de pato, como Aimé Barroyer decidisse. Foi com o chef francês, com quem se cruzou no Pestana Palace, no início de carreira, que aprendeu “o rigor e a paixão pela cozinha”, foi com ele que “sentiu as dificuldades e percebeu que ia ter que lutar muito para que um dia parecesse fácil”. Lembra-se da dedicação “com que temperava a carne”, uma das suas preferidas. E o chef “um xerife, homem duro, cozinhava como se fosse um bailado”.