Nascido em Lisboa, a sua relação com o mar vem de longe, dos tempos de menino, quando ia à pesca com o pai e se interessou por Biologia Marinha, que pensou seguir antes de sentir o apelo da cozinha. Continuou a pescar, ainda hoje, com o pessoal do hotel [Altis Belém], ou quando com o amigo Joel, que tem um restaurante concorrido em Peniche, se juntam aos pescadores da zona e vão até às Berlengas. Também se dedicou à prática de surf na Ericeira, mas isso foi em tempos idos, escusa-se na falta de tempo para justificar um ano sem dar uso à prancha. Mas o mar continua a entrar-lhe pela cozinha diariamente, com peixes e mariscos que leva à carta e tenta respeitar. “Procuro livrar-me do que é acessório e concentrar-me nos produtos. Não é uma visão simplista, porque pegar em algo simples e torná-lo extraordinário é o mais difícil de fazer”.
Recentemente, teve o privilégio de ter nas mãos uma trufa de branca de Alba com 618 gramas, que confeccionou a convite do chef Lubomir Stanisic. Algo pelo qual um chef mataria? “Não era caso para tanto”, diz, “mas é realmente o ingrediente fetiche de qualquer chef e é uma experiência única.”
Gosta de comer e de beber, confessa. Não consegue resistir a um cozido à portuguesa. Sofre de gula, não vê prazer maior do que estar em volta de uma mesa, mas não se deixa iludir: “Todos somos vítimas dos sete pecados capitais, mesmo os que não gostamos de assumir.” A morte dá-lhe que pensar agora que é pai de três. “Dá-se outra importância à vida, quer-se estar cá mais tempo por eles”.
Arnaldo Azevedo
Palco, Hotel Teatro, Porto
“É raro comer, mas ainda ontem foi o almoço e é o meu prato preferido, uns panadinhos de vitela com arroz de tomate”, diz sem hesitações Arnaldo Azevedo. Não há mise en place nem mise en scène para aqui chamado, apenas a comida de tacho preparada pelo pai, também ele cozinheiro, a responder pelo mesmo nome, responsável por ele ter seguido as suas pegadas. Desde miúdo que cresceu na cozinha da Toca da Formiga, em Ermesinde, local de peregrinações de gastrónomos. E se à Toca vai, há mais de três décadas, muita boa gente pelo arroz de entrecosto em vinha de alhos, que o pai escreve à mão na ementa replicada em papel químico, o filho rende-se ao arroz de ervilhas com chouriço de Trás-os-Montes, mas podia ser qualquer outro, desde que seja arroz. “Sempre preferi arroz a batatas, é um alimento muito usado nas cozinhas do Norte, quer como acompanhamento, quer como prato principal, e o meu pai é mestre a prepará-lo”, afiança.
“Farto de cozinha de autor estou eu”, queixa-se. Portuense de gema, o responsável pela cozinha do restaurante Palco do Hotel Teatro, na Baixa do Porto, dá valor às coisas da terra, às memórias dos cozinhados da avó, que também teve uma tasca e viveu entre tachos e panelas e junta essa herança gastronómica e o receituário tradicional às suas técnicas. “Na alta cozinha, cada vez mais, resgatam-se as origens, agora já se serve rabo de boi”, exemplifica.
A maior de todas as lições que aprendeu com o pai: “Não servir gato por lebre, tudo o que servimos tem de ser bom”. Não é de quantidades, é de qualidade. O pai liga-lhe para saber se conta com ele para a refeição, para o paparicar com o que mais aprecia, umas iscas de bacalhau, por exemplo. A mãe, que é o braço direito do marido na Toca da Formiga, é que lhe pede “umas coisinhas diferentes, uns petiscos para se entreterem à mesa, podem ser apenas ovos, que adora”. Aos domingos ao jantar, ele volta a aproximar-se do fogão em casa para lhe dar esse prazer: “Faço umas tortilhas, pode ser vegetariana, à camponesa ou simples, mas boa”.