Fugas - Viagens

  • Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo).
    Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo). Guang Niu/Reuters
  • Em Xangai
    Em Xangai Reuters
  • Guerreiros de terracota no Museu de Qin.
    Guerreiros de terracota no Museu de Qin. Jason Lee/Reuters

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Ir à China ver o mundo a mudar

Por muito que a paixão pela História nos comova na Grande Muralha ou no Pagode do Ganso Selvagem, em Xian, o que sobressai a cada passo de uma viagem entre as principais cidades da China é essa sensação de que o passado se consome na avidez do presente até se tornar um lugar longínquo. Os chineses estão demasiado entretidos com o futuro, a ganhar e a gastar dinheiro, para lhe dar excessiva importância.

Pequim, no meio do Império do Meio

Veja-se Pequim. Quando Deng chegou ao poder, em 1976, a velha "capital do Norte" (é este o significado de Pequim) tinha dois anéis rodoviários e a iconografia da época mostra-nos que essas vias eram mais do que suficientes para o enxame de bicicletas que por lá circulava; actualmente, a área de Pequim mais do que duplicou e o Governo tem em construção um quinto anel com 150 quilómetros de extensão. Apesar da intrincada rede de metro e da abundância de transportes públicos, o automóvel é quem manda na cidade.

E manda tanto que as autoridades tiveram de lhe impor regras para evitar que o ar ficasse irrespirável, primeiro, e depois para garantir que os engarrafamentos fossem, ao menos, toleráveis. Por alturas dos Jogos Olímpicos, a entrada de viaturas privadas na cidade fez-se à vez: um dia matrículas pares, no outro, ímpares. Mas nem isso foi capaz de suster a avidez de automóveis de uma população de 22 milhões de pessoas afluentes e, hoje, a venda de carros em Pequim faz-se por sorteio. No último em Maio, 530 mil interessados tiveram de disputar 17 mil licenças para aquisição de automóvel.

Com toda esta pressão, não admira que, como outras grandes cidades, Pequim seja hoje um paraíso da circulação rápida. Andar de carro é indispensável para se perceber a dimensão gigante do centro da cidade, para se ficar na retina com a imagem da modernidade do seu centro financeiro. Caminhar é possível, claro, até porque só assim se há-de reparar na limpeza dos passeios, no cuidado com os mais ínfimos canteiros de jardim ou na largueza razoável do espaço para os peões. Mas ao contrário de Xangai, de Nova Iorque ou de Hong-Kong, a largueza das avenidas acentua a noção da distância e Pequim não convida àquelas travessias que só nos revelam a distância percorrida quando se pára e se cai exausto na cama do hotel.

Na zona próxima de Tiananmen, as quadrículas são menores, a diversidade de lojas aumenta, há pequenos mercados sazonais de rua que devem ser percorridos. Aí, vale a pena conhecer os hutong que sobram. Hoje, já não há porcos de criação nos telhados planos das casas e o que resta dessa cultura popular que germinou em volta do palácio imperial ao longo de séculos resiste apenas porque os turistas gostam e se os turistas gostam há negócio a fazer. Nas ruelas em torno da Yanday Byway, nas imediações do lago Houhai, mantêm-se velhos hábitos de cozinhar na rua, mas ao lado do padeiro pode encontrar-se um bar cosmopolita que vende café expresso, uma loja de roupas que escapa aos padrões de flores, lacinhos e folhos da indumentária para exportação, ou até um antiquário onde se podem comprar peças quotidianas da era de Mao (chaleiras, canecas, cinzeiros ou, com sorte, até uma edição original do célebre Livro Vermelho). Neste resíduo da memória poupado à febre imobiliária, recupera-se a adrenalina para enfrentar o pulsar vibrante da Pequim moderna logo ao fim do bairro. A menos que se distraia e se confronte com um dos biliões de ciclistas que encontram nestas ruas pedestres o seu próprio paraíso terrestre.

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