Fugas - Viagens

  • Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo).
    Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo). Guang Niu/Reuters
  • Em Xangai
    Em Xangai Reuters
  • Guerreiros de terracota no Museu de Qin.
    Guerreiros de terracota no Museu de Qin. Jason Lee/Reuters

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Ir à China ver o mundo a mudar

Desenganem-se, porém, os que acreditam que Pequim se contacta (não se diz conhece porque há dúvidas sobre se a capital da China é susceptível de entendimento racional) em meia dúzia de viagens de autocarro, mais um passeio ou outro a pé, algures entre o vidro, o aço e o alumínio da arquitectura moderna. O que é mais facilmente apreensível é a mudança na arquitectura, porque é aqui que o sistema político e económico triunfante melhor projecta a sua ostentação, seja no distrito financeiro, seja no coração da Pequim Olímpica, onde brilha o insinuante Ninho de Pássaro que reuniu o talento do artista chinês Ai Weiwei com o dos arquitectos suíços Jacques Herzog e Pierre de Meuron. Essa Pequim é a que revela o lado imperial do regime, o mesmo lado que levou os imperadores de outrora a fazer obras descomunais para glorificar o seu poder e para mostrar a sua crença ilimitada no futuro - os aeroportos de Pudong, em Xangai, ou de Pequim, este projectado pelo arquitecto Norman Foster, são a este propósito esclarecedores.

Os chineses impressionam-se com estas imagens glorificadoras do seu próprio sucesso - "Isto é muito bonito não é? Há outras cidades assim, lá fora? Esta é a maior praça do mundo, aquela é a maior avenida do mundo, aqueloutra é a maior muralha do mundo", repetia-nos Ana, uma guia chinesa. Mas não deixam de tecer críticas à ocidentalização da capital, dizendo que o Centro Nacional de Artes Performativas, do arquitecto francês Paul Andreu, é "um ovo" ou que a fascinante torre de Rem Koolhaas é nada mais do que umas cuecas gigantescas. Mas Ana, que viveu num apartamento de um bloco estilo soviético e ganhou rios de dinheiro com a valorização do imobiliário, não entra nestas conjecturas; para ela, a sua cidade e o seu país nunca estiveram tão bem e arrancar-lhe um desdém à poluição ou aos engarrafamentos são tarefas condenadas ao insucesso (para não falar da ocupação do Tibete).

A verdade é que, além de umas lanternas tradicionais à porta de lojas ou um ou outro remate bicudo e em arco no telhado, Pequim não tem na face urbana grandes sinais da sua cultura milenar. Tem, isso sim, conservados em lugares bem definidos, alguns dos monumentos que a cristalizam. Em Pequim, na Cidade Proibida, no Templo do Céu (ou do Paraíso) e no Palácio de Verão; no raio de uma jornada de um dia na vasta área que acolheu os restos mortais dos imperadores da dinastia Ming e, obviamente, o troço mundialmente mais famoso da Grande Muralha - há muitos outros troços facilmente detectáveis para os que viajarem pelo Norte da China, em direcção à Mongólia Interior.

Antes, porém, passemos pela Praça de Tiananmen (lá está, "a maior praça do mundo", com a sua área de 44 hectares). Numa daquelas manhãs de névoa tão frequentes em Pequim, é quase impossível estar numa das suas pontas e distinguir o que se passa na outra. Até porque naquela algazarra é difícil, muito difícil, prestar atenção ao que seja. Megafone em punho, jovens de óculos escuros, boné enterrado e pose à 007 gritam palavras impronunciáveis - são voluntários que dão informações aos turistas. Bandeirinhas sinalizam grupos que, pela feição ou pelo traje, denunciam proveniências dos quatro cantos da China. Num topo, uma fila enorme sinaliza a veneração dos chineses por Mao Zedong, que ali tem o seu mausoléu; à esquerda, a enorme assembleia nacional popular, de traça soviética; à direita, o museu da China, com o mesmo perfil; a meio, um mastro interminável onde ondula a bandeira vermelha do PC chinês com as cinco estrelas que simbolizam o partido (a maior) e as classes sociais; ao fundo, separada pela avenida da Paz Eterna, que se prolongará por mais 50 quilómetros em ambos os sentidos, fica a Cidade Proibida.

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