Fugas - Viagens

  • Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo).
    Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo). Guang Niu/Reuters
  • Em Xangai
    Em Xangai Reuters
  • Guerreiros de terracota no Museu de Qin.
    Guerreiros de terracota no Museu de Qin. Jason Lee/Reuters

Continuação: página 7 de 12

Ir à China ver o mundo a mudar

A 35 quilómetros de Xian, há um monte que poderia muito bem ser confundido com o de Tianshou, que acolheu as tumbas dos imperadores Ming. Também aqui há boas condições para o feng shui e não admira que o imperador Qin (lê-se "chin", daí o nome China) o tenha escolhido para construir o seu mausoléu. Qin, que reinou entre 221 e 210 antes de Cristo, foi ao mesmo tempo um déspota brutal e um estadista genial. Reunificou o país, harmonizou a administração e criou condições para a preservação da unidade civilizacional da China sob a égide de um mesmo estado. Além disso, tinha a obsessão da morte e de ser assassinado. Por isso, tratou de prevenir a sua paz eterna com um exército de guerreiros em terracota (uma espécie de barro cozido entre os 800 e os 1200 graus) e com a construção de um mausoléu inalcançável até pelo mais ousado Indiana Jones.

Após a sua morte, o exército de 8000 soldados em posição de combate foi destruído pela ira popular e caiu no esquecimento; o seu mausoléu sabe-se onde está, mas ninguém teve até hoje a coragem de o violar. As armadilhas mortais que esperam os que o tentarem incluem o uso de mercúrio, cuja existência no local está confirmada cientificamente. Documentos coevos falam do mausoléu e das armadilhas, mas dali ninguém saiu vivo para as revelar - após os trabalhos forçados, os operários que o construíram foram condenados à morte e o mesmo destino tiveram as concubinas do imperador.

Em 1974, um grupo de agricultores procurava água no local e deparou-se com uma colecção de objectos cerâmicos enterrados. A descoberta, e posterior reconstrução, do exército estava iniciada. Para o efeito, as autoridades chinesas construíram um complexo museológico que tem tanto de feio como de útil. Num pavilhão, expõem-se a história do lugar e dos Qin; num outro, gigantesco, visitam-se os guerreiros na sua pose original. O lugar impressiona e emociona. Ali se conjugam tão bem a brutalidade de um imperador que empregou o trabalho forçado de 750 mil pessoas, ao longo de anos, para cumprir o seu capricho, com a mais pura beleza da arte humana. O belo e o odioso num mesmo conjunto de estátuas com 1,80 metros de altura. Cada um com a sua própria expressão, o seu próprio lugar no corpo de combate, a sua hierarquia e a sua particularidade indumentária.

O exército tinha de ser realista para Qin descansar em paz, ao ponto de as solas das sandálias terem relevo, e ali aconteceu um daqueles milagres em que a arte acaba por superar a realidade. O lugar é feio, o avanço da construção de um centro comercial nas imediações é um acto hediondo, o ruído das multidões exaspera: mas nada consegue retirar a magia daquele cenário.

Séculos depois de Qin ter caído no esquecimento, Xian deixaria de ser a capital da China. Nanquim e Pequim sucederam-lhe, mas a cidade continuaria a prosperar com a criação da Rota da Seda, essa longa e imaginária auto-estrada das estepes que, segundo alguns historiadores (ver Ian Morris Why The West Rules, For Now, Profile, 2010), promoveu as primeiras trocas de tecnologias, saberes e vírus entre o Ocidente e o Oriente. A importância de Xian no século XIV (quando o nosso rei D. Fernando combatia os espanhóis e D. João I fundou a dinastia de Avis) atesta-se pela muralha de 14 quilómetros que cerca o velho núcleo urbano - qualquer comparação com uma muralha europeia dessa época é exercício sem sentido. Ou através das suas torres sineiras e do Pagode do Ganso Selvagem, que guarda sutras budistas desde o século VII.

--%>