Fugas - Viagens

  • Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo).
    Um ciclista passa pela Praça de Tiananmen, em Berlim (arquivo). Guang Niu/Reuters
  • Em Xangai
    Em Xangai Reuters
  • Guerreiros de terracota no Museu de Qin.
    Guerreiros de terracota no Museu de Qin. Jason Lee/Reuters

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Ir à China ver o mundo a mudar

Indo além da sua história, Xian tem, como todas as grandes cidades da China, feéricos centros comerciais, onde tudo se vende, desde Aston Martins a t-shirts feitas em Guangdong, no sul. Lojas da Kentucky Fried Chicken ou da McDonald"s dão um ar normal à sua agitação. Nos bares das ruas perpendiculares à avenida central canta-se karaoke, come-se fruta fresca e bebe-se whisky escandalosamente falsificado. De manhã cedo, porém, há-de constatar-se que o elo com o passado desta Xian pretensiosa, vagamente feia, nervosa e ostentatória não se partiu. No bairro muçulmano da cidade, onde habita há séculos uma comunidade que migrou no vaivém da Rota da Seda, a China que conservamos ainda como estereótipo persiste. Na carne exposta ao ar, nas quinquilharias que imitam o jade ou metais preciosos, na infindável e colorida exposição de produtos alimentares, nas cozinhas improvisadas nos passeios, nos rostos, nas poses, nos gestos e nos cheiros experimenta-se esse lado do país que vai a reboque de uma vanguarda de modernização que tanto está em Xangai como na avenida ao lado.

Há quem goste de Xian, há quem deteste. Sem a extraordinária aparição do exército de terracota, talvez a "Paz do Oeste" permanecesse uma anódina capital provincial, orgulhosa da sua história mas incapaz de lhe encontrar um emblema para atrair terceiros. A descoberta dos agricultores, na Primavera de 1974, mudou tudo. Tudo ou quase, porque ao contrário do que acontece nas metrópoles ainda há um pequeno vestígio que resiste. Contaminado pelo turismo, sim, contagiado já pelo artificialismo próprio do parvenu, sem dúvida: mas, ao menos, ali ainda se pode cheirar um nadinha daquela China ancestral que resiste longe, nos campos, mas que quase se extinguiu nas cidades


Xangai, o novo miocárdio da finança

Quem leu A Condição Humana de Malraux e se lembra da sensação estranha registada por Shen no momento em que a carne do nacionalista que estava assassinar opôs resistência ao seu punhal, deve recordar-se também da descrição de Xangai dos anos 30 que lhe serviu de cenário. Uma cidade dominada por estrangeiros baseados nas suas colónias onde viviam a negociar protegidos das leis ordinárias da China, húmida, dissoluta, cindida entre comunistas e nacionalistas, tensa, cosmopolita, ambiciosa e brutalmente injusta. Ao contrário de Xian ou de Pequim, a memória de Xangai não vai além dos dois séculos - nasceu para albergar concessões britânicas e francesas como pagamento pelas humilhantes derrotas da China nas Guerras do Ópio do século XIX. Se na China soberana os rituais dos imperadores e dos seus mandarins, os preconceitos sobre os diabos estrangeiros, peludos e de narizes grandes, ou o mundo estável da Cidade Proibida foram vegetando até à morte do Império, em Xangai a tensão dos negócios e dos interesses, o fluxo de ideias novas que viajavam com os vapores de Londres ou São Francisco, a aquisição de hábitos mais liberais ou libertinos mudou tudo. Não é difícil perceber que, sendo profundamente chinesa no espírito, Xangai é uma cidade diferente de Pequim nas suas manifestações. Quem gosta de cidades, quem prefere São Paulo ao Rio ou Nova Iorque a Paris, tem aqui uma pérola a descobrir.

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