Esta é uma grande conquista para uma cidade durante anos assolada por raptos e ataques de movimentos de guerrilha. O poder político dos últimos anos empenhou-se na segurança, transformando-a numa urbe mais amável para todos, pobres e ricos — a revolução aqui passou pela melhoria de infra-estruturas (o sistema de autocarros rápidos Transmilénio, por exemplo, significou uma grande melhoria da qualidade de vida das populações mais pobres), pela criação de espaços públicos (de bibliotecas a jardins) e pela promoção de um estilo de vida mais “verde” (300 quilómetros de ciclovias e um domingo só para bicicletas nas principais artérias) — isto numa cidade que conta com um recorde de 107 metros quadrados de área verde por habitante (e são oito milhões), em vários parques, incluindo um nacional.
E depois há aquilo que se transformou numa espécie de apodo de Bogotá que o orgulho leva a repetir várias vezes: Bogotá é a Atenas sul-americana. Os números para atestá-lo são os 58 museus, os 45 teatros, as 62 galerias — e nestas últimas, pelo menos, cremos que o número oficial pode estar subvalorizado. Isto deixa de parte os eventos anuais ou bianuais que transformam Bogotá numa autêntica capital cultural mundial, como a Feira Internacional do Livro, a terceira mais importante da América Latina, que teve Portugal como país-convidado em 2013 (este ano dará essa honra ao Peru, entre 29 de Abril e 12 de Maio); e o Festival Ibero-americano de Teatro que acontece de dois em dois anos (termina amanhã), onde passam dezenas de companhias teatrais de todo o mundo, da Coreia do Sul à Noruega. E deixa de fora toda a cultura informal que fervilha por detrás de portas ou está na rua, como o teatro de rua ou o grafitti.
Os grafittis são uma constante, em edifícios ou muros de viadutos nas principais avenidas da cidade, lançando mensagens que vão da política ao meio ambiente, da violência doméstica ao feminismo, ou são “apenas” demonstrações de virtuosismo, mais ou menos lúdico. Houve uma mini-revolução nesta área: começou em 2011, com a morte, às mãos da polícia, de Diego Felipe Becerra, quando pintava num viaduto — a partir daí o governo da cidade conduziu uma política mais tolerante e o recentemente destituído presidente da câmara de Bogotá reconheceu o grafitti como uma forma de expressão artística e cultural e delimitou as superfícies onde poderia ser praticado, tornando Bogotá uma meca mundial (entretanto, os limites esbateram-se desde que Justin Bieber, após um concerto, decidiu pintar “fora das margens” com escolta policial — uma maratona graffitera de 24 horas no mesmo local fez ouvir a reivindicação: “Se o Justin Bieber pode, por que não nós?”).
Daqui houve Bogotá
Andrés Victoria, bogotano nado, criado e entusiasta, dá-nos na primeira noite as coordenadas para abordar a cidade. “No centro, descobres a história, o resto é cultura citadina.” Não queremos contrariar Andrés, até porque, em traços largos, essa divisão até faz sentido. Contudo, nada é linear e história e cultura citadina mesclam-se constantemente sem qualquer respeito por fronteiras geográficas impostas pelo desenvolvimento da cidade fundada em 1538 por um aventureiro espanhol (andaluz, mais precisamente — daí o nome que deu a esta parte do Novo Mundo que viria a ser um vice-reino, Nova Granada) de seu nome Gonzalo Jiménez de Quesada.