O que vemos hoje no museu “é o que os espanhóis deixaram”, diz a guia — e entre tudo, o modelo em ouro da balsa cerimonial que prova a existência de tal ritual (que, porém, terá terminado muito antes da chegada dos espanhóis). É uma peça importante, a Balsa do El Dorado, mas está longe de ser a única neste museu que percorre todos os povos pré-colombianos que habitaram o território do que é hoje a Colômbia. Nem só de ouro — e esmeraldas, a pedra nacional — se faz o museu. Há cerâmica e tumbaca, platina e conchas, entre outros materiais que constituíam as riquezas de cada povo; compõem objectos de todos os tipos, dos mais prosaicos, como taças, a fúnebres, como sarcófagos ou urnas, a ornamentais, sacrificiais, cerimoniais, oferendas; uns são delicadas filigranas, outros são formas toscas. Há coroas, brincos, narigueiros (“Saben como se llaman hoy? Piercings.”) e objectos mais idiossincrásicos como o poporos — recipiente que podia tomar várias formas, humanas ou animais, e que servia aos xamãs para o ritual de mascar coca durante cerimónias religiosas e assim conectar-se com o mundo dos deuses — ou emblemáticos, como a peça que representa um homem e um morcego e que é o símbolo de uma das cervejas nacionais, a Club Colombia. Esta não é uma mera exibição de peças, conta a história dos vários povos, do seu quotidiano e dos seus rituais sagrados — a visita termina precisamente num ritual, na sala da oferenda, que nos leva num voo sagrado, ao som de cantos xamânicos e com um jogo de luzes que ilumina várias peças de ouro.
Coração bolivariano
Isto, o ouro e esmeraldas, “foi o que trouxeram os espanhóis para aqui”. Cá fora, está o resultado dessa viagem. Vamos à Praça Bolívar, que começou por ser a plaza mayor e continua a ser a encruzilhada da cidade. Há lamas a passear, indígenas com os trajes típicos, uma banca com CD pirateados sem pudor sonoro, uma dupla feminina brasileira a tocar standards brasileiros aos pés da catedral — e pombas por todo o lado. Estamos rodeados de símbolos do poder político e legislativo, da cidade, do país, do clero: a catedral primaz, casa do cabido e palácio episcopal, o Capitólio (sede do congresso), o edifício da câmara, o Palácio da Justiça (novo edifício depois da destruição do anterior, em 1985, em confrontos entre militares e guerrilha que tiveram um saldo de 350 mortos) — junto a este, num espaço recolhido da praça, a “Casa del Florero”, o Museu da Independência, edifício modesto com varandas de madeira bem ao estilo colonial mas com a memória de ali se ter dado o grito de independência. Coincidência (ou não), há um guerreiro pré-colombiano a deambular por aqui, mesmo atrás da banca onde as mazorcas de maiz (milho) assado reluzem — mas o cheiro que tinge o ar vem de uma porta estreita: “La Puerta Falsa” é uma instituição da Candelária, conhecida pelos seus tamales e pela (estranha) combinação de queijo e chocolate quente, parte da tradição local.
Percorremos as ruas e ruelas em torno da Praça de Bolívar entre história e recordação de heróis da independência, conventos seculares, palácios e o belo Teatro de Colón, edifício neoclássico em obras de restauro. O Palácio de Nariño, sede da Presidência da República, por detrás do capitólio, merece barricada na rua — militares revistam os sacos dos transeuntes — mas a atmosfera é descontraída, com vendedores ambulantes de tudo, lojas de artesanato- joalharias (mistura algo improvável, poderemos pensar, não fossem as esmeraldas um dos produtos “típicos”), restaurantes ao estilo “el cuarto de San Alejo”, que é como quem diz, com decoração antiga, recuperando velharias que, afinal, combinam na perfeição com a arquitectura colonial destes espaços.