El dorado
Daqui deste alto, é sempre a descer até ao coração de Bogotá. Estamos na Candelária, estamos no início de tudo. Casas baixas, coloniais ou republicanas (o estilo afrancesado que chegou na segunda metade do século XIX), multicoloridas ou imaculadamente brancas ladeiam as ruas estreitas. Quanto mais se desce, mais os edifícios crescem: para cima e são republicanos (alguns incluindo coloridos vitrais), ou igrejas, conventos; para o lado, e são as casonas coloniais, altas o suficiente para ter uma varanda comprida no primeiro andar — ou então para se mostrarem quase impenetráveis na fachada, acessíveis por portones (grandes portas de madeira), para depois revelarem toda a harmonia nos pátios interiores, esses sim todos rodeados de varandas debaixo de arcadas — qualquer semelhança com a arquitectura andaluza não é pura coincidência, já sabemos.
Um desses edifícios é hoje o Museu Botero — mas é também um exemplo de como as aparências enganam: é em estilo colonial mas pouco centenário, foi construído em 1955, réplica do paço episcopal setecentista que aí existia. Entretanto, já passamos a igreja da Candelária, dois tons de amarelo, o Museu de Bogotá (revisita a história de Nova Granada) e em frente temos o contemporâneo Centro Cultural Gabriel García Márquez, que tem direito a stencils nos edifícios circundantes — “Celebrando a Gabo”, lê-se repetidamente — a assinalarem o aniversário do Prémio Nobel da Literatura colombiano (falecido a 17 de Abril, poucos dias depois de passarmos pelo seu país).
O Museu Botero, portanto, uma das casonas abertas ao público — e para o público: a entrada é gratuita (não é caso único em Bogotá). Uma mão gigante do artista colombiano (quem passeou pela madrilena La Castellana já viu uma semelhante) recebe-nos e dá o mote para o que veremos nas outras salas — Botero tem predilecção por figuras rotundas, as “gordas”. Pintura e escultura, num total de 123 obras (o segundo maior acervo do artista), de onde se destaca, por exemplo, a sua Mona Lisa, mas que abrangem várias das temáticas que conformam o boterismo, como as cenas da vida quotidiana, naturezas mortas e personagens históricas. Contudo, este museu não se resume ao trabalho do artista nascido em Medellín, dá espaço a uma das suas paixões, o coleccionismo. Por isso, não se surpreenda se encontrar Renoir e Pissarro, Toulouse-Lautrec e Degas, Sisley, Monet, Corot e outros ilustres da arte dos últimos 150 anos.
Ao lado do museu, a Casa da Moeda constitui um marco histórico na evolução da cidade e do vice-reino e retém a curiosidade de ter sido a última casa ocupada na cidade por Simón Bolívar — neste perímetro da zona histórica encontramos várias casas ligadas ao “Libertador”. Um desvio levar-nos-ia ao Museu do Ouro, outro dos que constituem o triângulo dourado museológico da Candelária. Não fizemos esse percurso linear, mas abrimos aqui uma janela para esse “tienen que ir”, como ouvimos repetidamente. Afinal, é um dos maiores do seu género no mundo e constitui a reminiscência possível do El Dorado que os espanhóis buscaram incessantemente por terras colombianas, desde que ouviram a história de uma cerimónia muísca de entronização em que o herdeiro se cobria de pó de ouro e, numa balsa, juntamente com os caciques locais, cada qual carregado de ouro, esmeraldas e outros metais preciosos, fazia oferendas aos deuses no meio do lago de Guatavita.