Insuspeita também é Bogotá. Mostra a sua cara a quem a visita — não nega o seu (recente) passado violento, mas afirma a sua (recente) vocação cosmopolita. Não é uma beleza convencional, mas compensa quem se dispuser a percorrer-lhe as entranhas. É desigual em mais do que um sentido mas ainda acredita no El Dorado — e esse é comum e não é de ouro, é de uma cidade para todos. “Aqui vive-se a sério”, diz-nos Andrés Victoria. E mais perto das estrelas.
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À noite, rumba
Chegamos a Bogotá à noite, quase 24 horas depois de termos saído do Porto e de passarmos por Lisboa e Miami. Não vamos negar: o cansaço é grande; mas a Zona Rosa (onde se embrulha a zona T) vê-se e ouve-se irresistível — e o nosso hotel que é bem no centro dela. É quase meia-noite neste bairro de classe alta: vemos lojas de marca e grandes centros comerciais, mas a esta hora são os restaurantes e os bares que marcam o ritmo. Ouvimo-lo em cacofonia musical que verte para as ruas, onde os táxis parecem ser os únicos automóveis a circular — e nem é sexta-feira, dia forte da rumba. Acabamos por assentar arraiais num bar bem perto do hotel e temos a nossa iniciação aos dois géneros musicais mais populares na Colômbia — a cumbia e o vallenato (que em Bogotá se prefere na versão “delicodoce”, o vallenato llorón) – e ao hábito de beber aguardente (normalmente de anis), de preferência de Antioquia (uma das mais conhecidas é a Antioqueño e pedir um antioqueño é o mesmo que pedir aguardente, não importa a marca), a garrafa que vemos em várias mesas.
Não sabíamos então que estávamos bem perto de dois ícones da noite bogotana. Ao virar da esquina, a Casa en el Aire está literalmente no ar, como outro edifício em cima de um prédio baixo. É uma réplica de uma casa tradicional caribeña, na arquitectura e no ambiente: os acordeões comandam a festa de vallenato e o folclore colombiano anda à solta. Algumas portas adiante do “nosso” bar, para lá de um centro comercial, uma pequena praceta dá acesso ao Andrés D.C. – é uma instituição bogotana (o original fica nos arredores da capital, em Chía), mais que não seja porque é “crazy”, repetem-nos. Aqui, a rumba atinge a perfeição com a união de três dos grandes prazeres da cidade, comer, beber e dançar (“restaurante, bar y bailadero”), em quatro andares que compõem (um)a divina comédia: começamos no inferno e vamos subindo pelo purgatório e terra até finalmente chegarmos ao céu. A decoração é kitsch e barroca, com diabos e anjos — também andam entre nó —, santos e santas, a destacarem-se no meio de um bricabraque inimaginável; o ambiente é eléctrico e há televisões em todos os cantos para vermos o que se vai passando noutras áreas. A música começa com os grandes sucessos internacionais (novos e velhos) e vai subindo em volume e ritmo à medida que a hora de jantar vai passando e que as “pistas” se vão enchendo de bailarinos a ensaiar passos de salsa e vallenato — aqui, em Bogotá, a música é feita para pares.