É assim que num sábado à tarde podemos observar, à medida que percorremos avenidas que ligam o centro histórico ao aeroporto, os grafitters em acção. Dezenas deles, em grupos ou solitários, a desenhar figuras nas paredes de betão de túneis e viadutos — um carro de polícia está parado junto a um desses grupos, “a pedir identificações”, dizem-nos, algo “normal”. Do mesmo modo, é com os olhos postos nas paredes de edifícios que saímos na Praça da Concórdia para caminhar até ao Chorro de Quevedo, um percurso pelo que foi a pré-história e a história primeira desta cidade: a Concórdia era a zona de férias do zipa (cacique) muísca, o povo que ocupava a região, quando Quesada chegou e instalou a sua primeira guarnição no Chorro de Quevedo — foi daqui que houve Santa Fé, que foi de Bogotá, e estabilizou em Bogotá D.C..
Se muitos edifícios estão decadentes, ou são absolutamente anódinos, neste canto da zona histórica de Bogotá com vista para a baixa de arranha-céus, a vitalidade está em alta e isso também se vê colado nas suas paredes, algumas quase em ruínas. Desde a simples indicação para o “Teatro de Sueños”, pintado num muro, ao manifesto que transforma a metralhadora em máquina fotográfica; da afirmação da cultura indígena nas paredes da Plazarte — um paradigma do eclectismo bogotano que também acontece nas margens: é mercado, centro cultural e artístico — à defesa dos direitos das mulheres; da causa ecológica à igualdade plasmada na parede do Colégio La Candelária. E ao lado da casa mais vistosa da praça, traça republicana, roxa e branca, uma síntese da Colômbia, com máscaras pré-colombianas e vultos a pontapear bolas, ondas azuis, autocarro diante edifícios coloniais…
É a Calle del Embudo que tomamos, estreita, estreitíssima, pedras desirmanadas, arquitectura a condizer: temos casas coloniais e outras em tijolo, umas imaculadamente pintadas em cores explosivas (logo à entrada: amarelo torrado com lista roxa), outras com grafittis. A multidão circula por vezes com dificuldade nesta rua onde há hotéis-galeria, cafés-galeria, hostels, lojas de artesanato, cabeleireiros lado a lado com casas abandonadas. Deixamos para o final a sua imagem de marca — as chicherías. “Sí, hay chicha” ou “Hoy chicha” são avisos que se repetem nas fachadas, aludindo à bebida tradicional indígena à base de milho fermentado, proibida pelos espanhóis mas tão resiliente que hoje é muito popular entre estudantes, mesmo que seja nas suas versões “coloridas”, ou seja, light (com sabor a uvas, morangos, cerejas).
E aqui estamos em território universitário — há várias universidades na zona (mas há dezenas, atrevemo-nos a dizer, instituições de ensino superior na cidade). O ambiente boémio concentra-se no Chorro de Quevedo: sábado de manhã e a praceta coberta de tijoleira em torno de um fontanário seco (o chorro) é uma concentração de várias tribos urbanas, sentadas no chão, em degraus, em bancos. No ar, há música e odor a marijuana como que a compor o perfeito cenário boémio. À volta, e nas ruas que daqui saem, casas coloniais, alguns restaurantes, bares, lojas de artesanato — e uma parede erguida como uma fachada de uma casa de grandes janelas e portas traz-nos à memória o novo slogan do turismo colombiano: “Colômbia, realismo mágico”. A modesta igreja bege e cor de ferrugem num dos lados da praça é um testemunho, recriado (como a praça que foi reconstruída, nos anos de 1960), do passado: da igreja onde se rezou a primeira missa bogotana — essa era a Capilla del Humilladero, esta, a cópia, é a Ermita de San Miguel del Príncipe.