Nada melhor para despertar a curiosidade pelo passado pré-colonial e até pré-incaico de Lima do que uma visita ao Museu Larco. Está instalado num palácio colonial do século XVIII que foi construído sobre uma pirâmide do século VII, o que só em si nos dá uma síntese da cidade e do país. O seu acervo conta-nos a história do Peru pré-colombiano em 45 mil peças devidamente classificadas, entre elas alguns dos melhores exemplares em ouro e prata, sendo por isso uma boa alternativa ao Museu do Ouro.
Nos seus jardins luxuriantes, com buganvílias abundantes quase a technicolor, um outro edifício guarda, no entanto, o acervo que torna este museu diferente de outros que abordam o mesmo tema — a sala erótica, onde deparamos com uma espécie de kama sutra indígena, com centenas de estatuetas versão explicitamente x-rated, representando um catálogo erótico ecléctico.
Entre um e outro passamos pela história viva do Bosque do Olival, embora seja mais jardim do que bosque, agora que o distrito de San Isidro foi crescendo à volta das oliveiras trazidas de Espanha em 1560. É um dos locais preferidos para fotos de casamentos e as árvores continuam a dar azeitonas que são colhidas e vendidas — com o dinheiro pagam-se os salários aos jardineiros, por exemplo. Mais adiante, ainda em San Isidro, atravessamos a Avenida Camino Real sobre o antigo caminho inca, percorrido incessantemente pelos carteiros do império — não um mero caminho, mas um emaranhado de 50 mil quilómetros que cruzavam todo o território dominado pelos incas, indo além das actuais fronteiras do Peru.
Perdidos em Barranco
Que seria de Lima sem as suas varandas sobre o Pacífico? Se Havana tem “o” Malecón, Lima tem malecones, no plural, que acompanham grande parte do seu litoral. Chamam-lhe Costa Verde, embora o castanho seja particularmente relevante, já que fazem as paredes das arribas onde os malecones-varandas se penduram. Há um ponto em Miraflores, lemos, onde a vista vai de Chorrillos (o melhor ceviche de rua da cidade, dizem, ao domingo da manhã, saído directamente do mar para a panela) a La Punta — ou seja, a vista engole toda a cidade que se encontra à beira-mar.
Não estivemos lá — o malecón em Miraflores vimo-lo apenas do carro, passando entre o centro comercial Larcomar, virado ao oceano, e as esplanadas exteriores, do outro lado, no que resta do antigo parque Salazar, cenário de vários romances de Vargas Llosa, cujos personagens percorrem incessantemente Miraflores (e San Isidro). E não vimos ao vivo e a cores um dos postais ilustrados da cidade: os parapentes a sobrevoar as praias. No entanto, perdemo-nos em Barranco e na nossa ânsia de descobrir fomos ter à beira-mar, às varandas ajardinadas e com toques “gaudíanos” na decoração, feita de formas caprichosas e forradas a azulejos.
Como nos perdemos em Barranco? Em busca da boémia que faz a mística recente deste bairro. E se na primeira incursão não a encontramos, tivemos a sorte de ver a famosa Ponte dos Suspiros — não a atravessamos, logo não tivemos direito a pedir o desejo que dizem que concede a quem o faz sem respirar — sem saber que era famosa: apenas um recanto inesperado de tão pitoresco e idílico numa garganta que tem como pano de fundo uma réstia de oceano e casas cor ocre forte que trepam o penhasco. Não sabíamos, claro, que tinha inspirado uma das canções mais míticas de Chabuca Granda, El Puento de los Suspiros, um dos vals (música crioula e afro-peruana que se desenvolveu em Lima no século XIX) mais famosos do país.