Se a primeira visita foi de encontros imprevistos, a segunda foi mesmo de descoberta — diferença vital entre ambas, o tempo. Porque é necessário tempo para desvendar as ruas e avenidas de Barranco, que foi balneário das classes altas limenhas e agora foi engolido pela cidade que se tornou no umbigo do país — depois de quatro séculos de crescimento demográfico lento, Lima explodiu nos últimos cem anos, sobretudo nos últimos 50: dos quase 200 mil habitantes de 1920, avançou para 1,5 milhões em 1961 e daí saltou para os nove milhões actuais (cerca de 30% da população do país).
Talvez seja esse passado aristocrático que lhe empresta uma atmosfera de pequena vila — onde não falta uma Praça de Armas, flanqueada pela indispensável igreja, amarelo-torrado com rebordos brancos porque estamos em Lima — em que o tempo parece suspenso e o quotidiano mais tranquilo (ainda que possa ser apenas uma ilusão de viajante apressado) entre as antigas mansões de veraneio de estilo Arte Nova e Art Déco e o casario colorido, que ladeiam avenidas povoadas de árvores e abraçam pracetas.
Barranco sofreu um período de declínio e há uns anos não era um bairro muito apetecível — ou seguro. No entanto, e já vimos este filme em várias cidades, houve um “resgate” desta zona, que se tornou numa meca artística. E com os artistas vieram galerias, insuspeitas salas de exposições, lojas alternativas mas também restaurantes, bares, clubes e até enotecas — muitas vezes tudo baralhado e dado num mesmo espaço.
Dizem que à noite o bairro se transfigura. Só o vimos durante o dia, passámos pelo mercado de artesanato na Praça de Armas, vimos um antigo comboio transformado em bar, almoçámos num restaurante argentino (com orgulho Che à flor da pele: bandeiras, fotografias, camisolas de clubes de futebol…) e entrámos no Centro Cultural Parra del Riego (nome de poeta peruano), um dos muitos projectos originais que tem nascido por aqui, ocupando as grandes casas — neste caso é loja e espaço de exposições com várias salas e vocação ecológica (desde os produtos aos trabalhos artísticos).
Se já há alguns anos que Barranco está a desenvolver-se como uma espécie de Soho limenho, a validação que se calhar faltava chegou com Mario Testino, o fotógrafo das estrelas que criou algumas das imagens mais icónicas dos nossos tempos. Foi este o bairro que ele escolheu para regressar a casa. Aqui instalou a associação MATE, que é antes de tudo um museu, o maior, do seu trabalho. E se aqui encontramos alguns dos seus trabalhos mais reconhecíveis (embora, talvez por isso, tenha um sabor a déjà-vu), com salas dedicadas a Kate Moss, Gisele Bündchen e Madonna, se vemos Brad Pitt e Gwyneth Paltrow, se entramos em festas londrinas cheias de celebridades e temos um “altar” à princesa Diana, temos também uma homenagem ao Peru e esta é a surpresa.
Porque o regresso passou também por uma “viagem” antropológico-fotográfica que está reflectida numa sala povoada de rostos sérios e feições fortemente esculpidas de cusquenhos exibindo os seus trajes tradicionais no seu contexto geográfico. Mario Testino chamou à exposição onde foram apresentados estes trabalhos Alta Moda. Seja pelas alturas de Cuzco, pelos desertos costeiros ou pela bacia da Amazónia, o Peru está na moda. E, com ele, Lima, que está a libertar-se de complexos e a assumir-se, novamente, como a Rainha do Pacífico.