Aqui, o segredo é encontrar a utilidade de cada coisa. A partir das palmeiras faz-se óleo e vinho de palma, mas também carvão. O líquido que se extrai da semente é usado, como quase tudo o que cresce da terra, para fins medicinais. Neste caso, dá-se a bebés com problemas de estômago.
Lionel, guia do Jardim Botânico Bom-Sucesso, porta de entrada no Parque Natural Obô, que cobre 235 quilómetros quadrados de São Tomé e mais 85 no Príncipe, demora-se a descrever-nos flores como as orquídeas que “crescem nas árvores sem precisar de terra”; a rosa porcelana, de caule e folhas mais grossas do que as rosas a que estamos habituados; ou arbustos como o bico-de-papagaio, de onde nasce uma flor com a forma de um bico vermelho vivo e contornos amarelos e esverdeados que é um dos símbolos do país.
“A esta planta chamamos bordão do macaco, é medicinal, usada para fazer massagens com outras ervas que colhemos na floresta, e o suco do caule evita infecções intestinais. Também se usa em banhos para ajudar as senhoras a recuperar depois do parto”, descreve. “Aqui temos bunga, que é considerada uma planta sonífera. Se apanhares a folha e colocares num copo com água ou com vinho e deixares cinco, dez minutos, a seguir bebes e vais dormir 24 horas seguidas”, assegura.
Por aqui também se encontram os diversos tipos de micocó, da que é usada na culinária e se diz ter poderes afrodisíacos, à, “micocó-campo, usada em chás para a asma e problemas respiratórios” e com um cheio forte a citrinos.
Pau-parto, pau-três
Num país com 350 espécies que se acredita terem aplicações terapêuticas, Lionel pode falar o tempo que cada um tiver para o ouvir. Vai mostrar a árvore cata-grande, cuja “casca é usada para fazer baixar a tensão arterial e tratar diabetes”; a “casca da nêspera do bô, para problemas de hérnias”; as folhas “pau-parto ou pau-cabra, onde as senhoras tomam banho quando estão a entrar em trabalho de parto”; “a planta da quina, que é usada em chás para a malária”; “a marapião, usada para dores de dentes: a casca encosta-se ao dente que dói e ele vai partindo até cair; “o pau-sangue, para a anemia”; “o pau-três que evita tosse e dores de barriga e também ajuda o fracasso sexual”...
Quem também gosta de brincar com as capacidades medicinais das ervas, acrescentando-lhe divagações sobre o erotismo da gastronomia, é João Carlos Silva, dono do restaurante-pousada na sua roça, a São João, em São João dos Angolares, e autor de livros e programas de televisivos como Na Roça dos Tachos ou Sal na Língua, que entretanto também abriu a Teia das Artes, onde se formam artistas, e explora o Centro de Artes CACAU.
A sua roça fica quase no Sul da ilha e para lá chegar atravessa-se o rio Manuel Jorge e a Ribeira Afonso, onde das primeiras horas da manhã até meio da tarde há centenas de lavadeiras a esfregar roupa e a deixá-la secar ao sol. Mesmo antes da ribeira fica a Boca do Inferno, fenómeno natural com uma ravina que as águas percorrem direitinhas a uma gruta, formando ondas que crescem até rebentarem com estrondo na rocha negra. Cá em cima, entre o verde das árvores, com vista para o azul do mar e o negro do chão, há um quiosque de pedra para beber água de coco.