Roças e cooperativas
A Roça Saudade é uma das quase 150 do país, a maioria situadas na ilha principal, umas dezenas ainda na ilha do Príncipe. As roças eram as fazendas coloniais, foram o que ordenou territorialmente o país, e em cada uma ainda se vê a Casa Grande, onde vivia o chefe do escritório, o refeitório dos brancos, as senzalas, o hospital, a escola primária, a capela. Nalgumas vivem centenas de pessoas, noutras mais de mil, e a maioria está em muito mau estado.
Com a independência, o Estado entregou a habitação e a exploração das fazendas aos trabalhadores que já lá viviam, mantendo-os como assalariados. Em 1998, Governo, Banco Mundial e FMI concluíram que as roças não eram rentáveis. Decidiu-se pôr fim à nacionalização e quem tinha título de posse recebeu um pedaço de terra para explorar. Muitos venderam os terrenos, outros construíram casas e foram em busca de trabalho nas cidades.
Há casos de algum sucesso, como a Roça Água-Izé, onde uma cooperativa que produz cacau emprega 30 pessoas em permanência — foi aqui que se plantaram os primeiros grãos de cacau ilha, em 1952, trazidos do Príncipe, onde tinham chegado do Brasil 30 anos antes. Odair, 29 anos, trabalha na Água-Izé desde os 12. Fez de tudo e agora é serralheiro, repara as máquinas, os rolamentos. Mostra-nos os secadores ao ar livre, “a estufa que só é usada quando há mais produção”, as quatro filas de “caixas para a fermentação com buracos por onde vai escorrendo a goma que o cacau traz quando chega”.
Os homens apanham o cacau e usam as grandes pás com que ele vai sendo virado e passado de caixa em caixa. Depois de seco, são as mulheres que “fazem a separação nas mesas de escolha” e dividem o cacau em categorias. “Daqui, por semana, podem chegar a sair 10, 15 toneladas. Vai tudo para a Suíça, de navio, pára em Portugal e segue.” Longe vão os tempos em que São Tomé era o maior produtor mundial de cacau, ainda que este continue a representar 90% dos lucros das exportações do país.
Odair tem mulher e dois filhos, uma menina de cinco meses e um rapaz de três anos. Vai ficar por aqui, garante. “Eu não fui criado pelos meus pais, mas pela minha avó. Tinha cinco ou seis crianças a cargo, meus irmãos e primos”, conta. A mãe vive e trabalha aqui, na separação do café. “O meu pai era cobrador de impostos, mas não me ligava, tinha muito mulherio. Ultimamente, perguntei-lhe e ele disse que nós já fomos 50, muitos morreram, ficaram 18 filhos. Só quando cresci é que fui saber dele. Depois, andei de bicicleta, de Norte a Sul, à procura dos meus irmãos”, diz Odair, que agora tem um almoço mensal, a cada mês na casa de um dos irmãos.
Se Água-Izé tem algum sucesso, a roça Monte Café tem muito. Aqui, já 250 pessoas se organizaram para produzir café biológico e é possível visitar um museu onde se aprendem todos os passos da produção e um bilhete de dois euros dá direito a provar um dos dois tipos existentes na ilha, o Robusta e o Arábica.
Almada Negreiros
Saindo da capital, no Nordeste da ilha, apanha-se a estrada Nacional 3 e segue-se para sul, sempre por dentro, até chegar ao Monte Café, a 640 metros de altitude. A caminho da Roça Saudade, o ar vai ficando mais fresco e a vegetação mais densa. A 800 metros de altitude, esta fazenda não era fácil de encontrar até há bem pouco tempo. Era aqui que vivia a família de Almada Negreiros e foi aqui que ele nasceu, em 1893. Joaquim Victor também nasceu aqui e a sua família era dona da parte do terreno onde se encontravam as ruínas da casa de três andares, colunas e alpendre que ele descobriu ter sido a primeira do artista português.