Sob as estrelas
Trepar a uma rocha isolada e contemplar um pôr do sol em Wadi Rum é um momento que fica gravado na memória. As cores vão mudando nas montanhas circundantes, com emocionantes tons laranja a cobrirem a paisagem. Um profundo silêncio reforça a atmosfera mística. Os derradeiros raios estrelares formam um enorme leque de luz, antes de o crepúsculo envolver serenamente o deserto. Ao longe, avisto dois beduínos e três camelos a seguirem para ocidente, numa marcha vagarosa. O tempo parou.
A temperatura diminuiu drasticamente. A escuridão é quase completa quando nos aproximamos de umas ténues luzes, transportados por três jipes de capota aberta. Do nada, surge um amontoado de tendas de lona. Só se pode entrar no acampamento por um lado. Está aninhado entre imponentes paredes de rocha granítica, que abrigam o local do vento e do frio. Saltamos das traseiras dos veículos de todo-o-terreno e entramos. Feitas as apresentações, indicam-nos onde vamos dormir. O jantar está quase pronto e será servido, instantes depois, numa grande tenda aberta, ao fundo do campo. O chão, no interior, está coberto de tapetes. A dieta em Wadi Rum não é muito variada, com o frango e o cordeiro a liderarem a ementa, mas, desta vez, a confecção é mais original. Os alimentos são tapados e enterrados na areia, a pouca profundidade, cozinhando ao sol durante várias horas. Lembra o cozido açoriano das Furnas. Depois do jantar, somos brindados com músicas e danças tradicionais. Já só penso nas estrelas.
Perto da meia-noite, Salaam aconselha-me a procurar uma enorme duna, fora do acampamento, onde a escuridão é total. Encontro-a do lado esquerdo e começo a subir. Quase no topo, uma sombra ganha forma humana. Reconheço Hussam, o motorista do autocarro, que transporta o nosso grupo em Aqaba. Fuma um cigarro e cumprimenta-me delicadamente, como sempre. Travámos amizade na minha primeira noite na Jordânia e aprecio a sua companhia descontraída e bem-disposta. Deitamo-nos calados e olho para o mais maravilhoso céu estrelado que já vi e, possivelmente, jamais verei. É noite de lua nova. Passa algum tempo até voltar a falar com Hussam. É casado, tem quatro filhos e parece feliz. Conversamos sobre os hábitos jordanos. Explica-me que beijar um homem na cabeça é um gesto de respeito e carinho. Algo que se faz a um pai ou a um familiar mais idoso. Aos amigos e conhecidos mais próximos, dá-se três beijos nas faces. Na cara também se podem beijar algumas mulheres, em determinadas circunstâncias e em locais menos expostos. E como beija a mulher? Eleva a voz: “À minha mulher, beijo em todo o lado!”. Rimos os dois com gosto. Falo-lhe de Portugal. A noite terá muitos episódios e será inesquecível.
Os nawar de Petra
Ao longo da História, o povo cigano conheceu os mais diversos processos de exclusão e discriminação nas regiões que atravessou ou onde acabou por se fixar. Na Jordânia não é diferente. O seu número varia consoante as fontes, oscilando entre os 7200 e os 20 mil. Por aqui são chamados de nawar, um termo depreciativo, que significa algo como “ferreiro” ou “adorador do fogo”. Uma importante comunidade vive em Wadi Musa, ou Vale de Moisés, onde, de acordo com a tradição, o profeta fez sair água de uma rocha para dar de beber aos seus seguidores. A cidade cresceu à sombra das ruínas de Petra, a grande jóia do turismo jordano. Mais ainda depois de ter sido eleita como uma das Novas Sete Maravilhas do Mundo, numa cerimónia realizada em Lisboa, em 2007.