O músico
Sofian Jaser é um conhecido músico de Aqaba. Tem olhos castanhos-claros. Grandes e tristes. Toca magistralmente simsimiyya (ou semsemia), um instrumento de cordas árabe, uma variante da lira, com uma sonoridade singular, muito apreciada pelos beduínos. Naquela manhã quente de Abril, esteve connosco numa viagem de veleiro pelo golfo de Aqaba, elegantemente vestido com uma longa túnica branca (dishdasha ou thawb) e um tradicional lenço jordano (keffiyeh), com padrões vermelhos e brancos, a cair-lhe pelos ombros. Toca alguns temas melancólicos com uma gravidade profunda. Depois fica quieto, à parte do nosso grupo. O seu recato manteve-se durante o almoço junto à piscina do fabuloso Sindbad Dive Club. Trocamos olhares e ofereço-lhe um cigarro. Segundo Hussam, é um gesto apreciado em Aqaba e, como verifiquei, desbloqueia a timidez. Foi um revés no meu processo de deixar de fumar.
Vamos os dois para uma mesa afastada. Sofian não fala inglês e eu não falo árabe. Mostro-lhe algumas fotografias de Lisboa. Ele sorri, pela primeira vez. Depois, levanta lentamente o dedo e retira do bolso um smartphone. Procura algo no visor do aparelho e, com um movimento delicado, cola-o ao meu ouvido esquerdo. A melodia que sai do objecto é tocante. Tapo o ouvido direito com a palma da mão e cerro os olhos. Não é parecido com nada que tenha ouvido até então na Jordânia. Ou em qualquer outro lado. Aqui a simsimiyya ganha nova dimensão sonora. Num momento, vibra como uma guitarra eléctrica, noutro tem a delicadeza de uma harpa. O arranjo instrumental é assombroso. Um rumor de ondas do mar vai aumentando vagarosamente até se impor por completo. E depois, o silêncio.
Aponto o dedo para Sofian, a perguntar se a composição é sua. Acena suavemente. Faz movimentos ondulares com uma mão e murmura: “The sea.” Vira-me a seguir a cabeça para as montanhas atrás de nós. Este será sempre, para mim, o som de Aqaba. O mar e o deserto, num bailado eterno, por vezes calmo, outras, desenfreado. E a ligar estes dois elementos, os beduínos, na sua marcha lenta e imparável. Os poucos que continuam a deambular por Wadi Rum e por todas as paisagens áridas jordanas. Sem tempo. Despeço-me de Sofian com três beijos e um abraço apertado. Tudo o que me quis transmitir estava naquela melodia.
Aeroporto de Amã
Em contraste com muitos dos seus vizinhos árabes, a Jordânia não dispõe de grandes recursos energéticos, como petróleo ou gás natural. A sua economia depende da exploração de fosfatos e carbonatos, do comércio e do turismo. É neste sector que o país está a investir fortemente nos últimos anos, mas o explosivo contexto político no Médio Oriente tem afastado muitos visitantes, em particular os ocidentais. Apesar dos conflitos, que destroçam, ali ao lado, a Síria e o Iraque, e dos ventos do radicalismo religioso, a Jordânia é um país pacífico, estável e tolerante. A educação tem sido uma das suas prioridades e 97% da população adulta é alfabetizada. Uma percentagem que sobe para os 99 nos jovens, de ambos os sexos, entre os 15 e 24 anos. Desde o início da guerra civil na Síria, acolheu mais de 1,2 milhões de refugiados deste país. E a Jordânia tem menos de sete milhões de habitantes. Comparativamente, estima-se que tenham chegado à Europa perto de um milhão de sírios, segundo dados de Fevereiro de 2016, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.