Serralves, uma ilha na cidade
Não estranhemos o facto de Serralves estar entre os 250 jardins que a Phaidon Press inclui numa das suas mais recentes, e enorme, publicação. O peso do autor do projecto paisagístico encomendado pelo segundo Conde de Vizela é enorme na história da arquitectura paisagística. Jacques Gréber, francês com trabalho conhecido no seu país em várias cidades da América do Norte desenhou, em 1932, os espaços verdes em volta da Casa de Serralves. Hoje integrada numa fundação e associada ao Museu de Arte Contemporânea, edifício com a assinatura de outro gigante mundial da arquitectura, Siza Vieira.
Se os nomes pesam, o seu legado não pesa menos, e olhando para o espaço, com a ajuda do director do parque, João Almeida, percebe-se o que nele atrai tantas dezenas de milhares de pessoas, anualmente. Desde logo, nesta quinta de 18 hectares em plena cidade do Porto há três áreas claramente definidas, a primeira mais próxima da casa, com a alameda de liquidâmbares, aqui colocados graças às suas rubras cores outonais, pela experiência americana de Gréber, concerteza, o parterre lateral de um lado, o jardim das tão portuenses japoneiras do outro, e o parterre frontal. Deste, vários patamares em saibro de cor salmão descem em direcção a duas tuias douradas que hoje, com as suas dimensões generosas, criam algum segredo sobre o que vem a seguir.
E a seguir é outro o ambiente em torno do lago, com um bosque denso e caminhos circulares, árvores imponentes, algumas delas assumidamente notáveis, como um pinheiro manso de um tamanho descomunal, claramente de quem quer, daqui, espreitar o mar, e que com outras faz parte de um roteiro próprio, para amantes de tão portentosos exemplares da flora mundial. Nesta área intermédia, há ainda algo de um ambiente romântico, embora pouco assumido, perceptível no empedrado ou num banco revestido a azulejos, à sombra de um ulmeiro. Espécie de arqueologia, exposta, do que Gréber ali encontrou quando chegou à então chamada Quinta do Lordelo.
É preciso descer ainda mais para, naquela que se chamou outrora a Quinta do Mata-Sete, descobrirmos já não um jardim, mas uma área agrícola, dominada pelo prado onde hoje, para educação das crianças, ainda temos animais vários a pastar, protegidas por um denso arvoredo que circunda toda a propriedade, e que naquela zona mais baixa deixa apenas ver, com destaque, uma torre com projecto de Souto de Moura na Avenida da Boavista, uma daquelas obras que, se fosse árvore, poderia bem ser considerada notável.
Com as suas mais de quatro mil árvores, de 200 espécies e variedades, o que tem Serralves de especial talvez seja precisamente essa capacidade de ser o que um jardim deve ser: ilha — de sossego, de beleza, de biodiversidade — num meio inóspito como é o urbano. Ainda que esta parte do Porto esteja pejada de casas com pequenos jardins, um parque com estas dimensões e estas características, a que se acrescentou entretanto o museu e um conjunto de esculturas contemporâneas, é um património que qualquer cidade decente invejaria, que o Porto soube preservar e que está, no caso, ao alcance de quem, simplesmente, tenha tempo para usufruir dele.
(Abel Coentrão)