São 40 hectares, de hortas, pomares, jardins, mata, recuperados, em mau estado, para o Estado, em 1986, e que desde então têm sido tratados — pedras e plantas — com um carinho tremendo por aqueles que ali vêm trabalhando e por outros que se envolveram na defesa deste património nacional. E o resultado está à vista, por muito que Maria João Costa, arquitecta paisagista que há 25 anos se envolveu no moroso trabalho de recuperação da cerca, se desculpe pelas imperfeições que vai detectando na visita guiada que nos fez.
Tibães é fruto do que os monges planearam, metodica e engenhosamente, para este espaço. São deles a eira e o prado, os campos para o milho, os socalcos para os pomares e os caminhos entrecortando tudo isto, que bem podiam ser para se chegar ao trabalho, como poderiam também servir os propósitos espirituais da meditação. Para isso empenharam-se em semear fontes, concentrando, na beleza da pedra esculpida e no som da água caindo, uma espécie de agradecimento aos céus. E quando por Braga se construía o jardim em escadório do Bom Jesus do Monte, eles também se atreveram a embelezar o seu caminho para o alto da cerca, onde pontuava, há muito, a capelinha de São Bento com magníficos azulejos nos contam episódios da vida do seu patrono.
O escadório dividido em sete patamares, cada um com uma fonte dedicada a uma das sete virtudes, guia-nos até esse ponto alto deixando ver as marcas do fim das ordens religiosas e da ocupação do mosteiro por privados, que durou século e meio. Faltam-lhe lages de granito, e os muros, outrora rebocados e pintados de branco, mostram a pedra nua, num ar romântico que até parece propositado. E lá em baixo, no primeiro patamar, uma enorme e florida azálea corta a simetria que os monges escolheram para este espaço. Mas cortá-la agora a ela seria esconder não apenas a sua beleza intrusiva, como apagar uma marca desses outros ocupantes que a plantaram, eles também senhores de uma parte da história deste lugar.
Ao subir até à capela, vemos que os socalcos desapareceram e dão hoje lugar a uma topografia estranha, montículo aqui, terra sobreelevada acolá. A densa mata, que serve de tampão, protegendo as vistas do crescimento urbano de Braga, disfarça, com o seu manto de vegetação morta e as plantas rasteiras, os escombros da exploração de volfrâmio durante a Segunda Guerra, da qual resta ainda a mina das Aveleiras, num dos troços mais frescos do caminho. A caça ao ouro negro mudou a paisagem de Tibães, mas não lhe roubou, felizmente, o lago, que alimenta na humidade circundante salgueiros e fetos reais e perto do qual o nosso pescoço se abre com dificuldade para atingir a copa de um pinheiro bravo imponente, senhor daquele lugar, memória viva do tempo dos monges e, por tudo isto, árvore classificada.
Cheio de sítios para parar, como se quer, ainda hoje, num bom jardim, Tibães é um lugar para se estar no mínimo um dia, dado que ninguém pode sair daqui sem uma visita à igreja, ao jardim da Fonte de São João e aos aposentos, também eles salvos da ruína nas últimas décadas. E a hospedaria que entretanto se construiu, numa ala que fora destruída por um incêndio, convida até que se prolongue a estadia e se explore, com uma calma de monge, este antigo cenóbio transformado em lugar de fruição.
(Abel Coentrão)