O escritor norte-americano passou largas temporadas nos cayos do arquipélago de Sabana-Camagüey, ou Jardines del Rey — Cayo Coco, Cayo Guillermo, Cayo Romano… — , e nalguns deles recolheu inspiração para a criação de personagens dos seus romances mais famosos. Diz-se também que foi nestes territórios de águas cálidas e areia branca que terá procurado refúgio para combater a depressão que o consumia.
De várias maneiras soube Cuba retribuir à projecção que Hemingway lhe emprestou. Em Cayo Guillermo, aquela que é por muitos apontada como a praia mais bonita do país e uma das mais bonitas das Caraíbas, como escreve o Lonely Planet, leva o nome do seu barco: Pilar.
Vínhamos com ela debaixo de olho e não ficamos desapontados. É a verdadeira praia de cartão postal. Areia finíssima — tanto que, dizem os locais, se a atirarmos ao ar ela voa, em vez de voltar a cair no chão; mar azulíssimo — e quente, já agora; floresta de mangue lá ao fundo; e dunas que podem, aqui e ali, chegar aos 15 metros de altura. Alugamos espreguiçadeiras, pensamos que vamos ficar muito tempo, mas o sol é literalmente de pouca dura. Um banho de dez minutos, nuvens que se aproximam e volta-nos à cabeça a chuvada da manhã. Pés ao caminho.
Acordamos com tudo às voltas na madrugada seguinte. Procuramos a médica do hotel, que nos aconselha a não participar no passeio de barco agendado para essa manhã e garante que apanhámos um vírus provocado pela chuva da véspera. “É muito normal isso acontecer com os turistas.” A febre há-de chegar em força, já depois de termos desrespeitado a sugestão e de nos termos metido num barco de nome irónico, bem apropriado ao momento: Tornado e eis-nos enfiados no meio de uma tempestade épica.
Dia 3 em Cayo Coco: os medicamentos fizeram o que tinham a fazer, mas acordamos a horas impróprias. Ainda não são 6h30 e já estamos na praia Arrecifes. Céu de chumbo, de novo, mar que mais parece uma piscina. Os empregados do hotel varrem a areia do deck em madeira que leva à praia ou limpam as algas que as ondinhas do mar, plácidas, trouxeram para a margem. Há uma bandeira vermelha espetada num mastro, o que neste caso apenas sinaliza a ausência do salva-vidas. Não há música a sair das colunas de som, ouve-se apenas o suave barulho do mar.
De repente, três cães e um turista em passo de corrida que nos cumprimenta efusivamente. Seguimos-lhe as pisadas, mas a andar por esta praia praticamente deserta. Apanhamos pedras e conchas e ouvimos o canto dos pássaros negros. Algo camuflada no meio do arvoredo, uma família cubana em território all inclusive. Pai, mãe, avó e três filhos, duas meninas e um rapaz. Hoje é sábado e vieram de longe, de Morón — a cidade da ilha de Cuba mais próxima de Cayo Coco, a umas boas duas horas de transportes públicos —, carregados com sacos e marmitas. Entabulamos conversa mas só o homem responde, ainda assim a custo. Afastam-se para lá dos lugares de hotel para não se misturarem com os hóspedes, “não é suposto”.
Tal como não era suposto chover de novo, mas chove. Partimos daqui a duas horas, arriscamos um último mergulho. Deixamos Cayo Coco, paraíso caribeño, com um amargo de boca. Provámos as praias de postal ilustrado, é certo, mas continuamos com fome.