Acabam por dizê-lo com a naturalidade de quem precisa de dinheiro. Alex ganha 250 pesos cubanos (cerca de 10 CUC, um pouco menos em euros) a trabalhar num hospital como electricista; Dayana voltou a trabalhar, agora numa imobiliária, e tem “o sueldo básico”, 225 pesos cubanos — esteve um ano sem trabalho e sem subsídio de desemprego: “Não me pagavam horas extras. Há trabalho, mas a mim davam pouco salário”. Têm, como todos os cubanos, direito a uma caderneta de racionamento com a qual podem comprar alimentos a preços controlados, uma quantidade determinada por mês: frango, ovos, arroz, frijoles (feijão), bolsa de leite para crianças até seis anos (depois iogurte). Sem preços controlados, vemos num supermercado de prateleiras quase vazias: um quilo de leite em pó 6,60 CUC, um pacote de bolachas 2,40 CUC, por exemplo.
Dayana tem dois filhos, uma rapariga de 19 anos e um rapaz de sete, e um marido na prisão. Ela diz que ele é opositor ao regime, o regime diz que ele roubou turistas. Ela indigna-se: “Os cubanos, vivemos de inventar, não de burlar turistas. Só por falarmos com turistas temos uma advertência e uma multa. À terceira vamos presos, é a lei do assédio ao turismo.” Porque se arrisca, então, arriscamos nós? “Sou cubana atrevida. Tenho tanto sofrimento no coração que quero falar.”
Cabaret cubano
Daniel Aties também gosta de falar. Encontramo-lo por acaso na galeria de arte Diago, na Plaza Vieja, uma das mais antigas da cidade e das primeiras a ser restaurada, que expõe os seus trabalhos — e os de muitos outros artistas cubanos. O colorido do exterior, casas azuis, amarelas, rosas, multiplica-se no interior do edifício de pedra que foi palácio e fábrica têxtil até a revolução de 1959 o transformar em escola de arte. A escola mudou-se, mas a arte ficou — ponto em comum: uma certa expressão naïf em telas que são explosões de cor.
Daniel é todo calma e uma aparente ingenuidade que confunde. Sentamo-nos numa das muitas esplanadas da praça, de onde se avista a cúpula do Capitólio (“Sabem que é uma cópia do de Washington?”), e desenha-nos um pequeno recuerdo que condensa todo o seu espírito programático enquanto artista. Faltam “as cores das Caraíbas”, azul, verde, amarelo, mas de resto estão lá o galo, símbolo da força cubana, a palmeira real, árvore nacional, os rios, o mar, a natureza, a sensualidade, descreve. Estudou engenharia mecânica mas também pintura, escultura, desenho e história da arte e fala com o mesmo entusiasmo tranquilo do PIB do país, da produção de rum, do teatro callejero que está por todos os lados — não estamos longe da sede, aponta, e uma das suas funções é animar a zona histórica da cidade, onde os dandy de outros tempos se passeiam —, de literatura (Carpentier, Nicolás Guillén, Miguel Barnet), de música (“Temos mais de 35 estilos musicais”), e da sua obra, que já foi exposta em vários países e na sua vertente escultórica até está no mítico Tropicana.
Havemos de ir ao Tropicana, “o paraíso debaixo das estrelas”, como se anuncia, com direito a jantar. A maioria das mesas, porém, enche-se para o espectáculo, com direito a rum, Coca-Cola (e não a “Tu Kola” nacional) e empregados atentos, a desdobrarem-se para responder a todos. É o reino da fantasia kitsch num entorno de sonho tropical, a história e culturas cubanas servidas ao ritmo dos vários géneros musicais e danças do país. Um cabaret cubano para consumo global.